Você viu a Fernanda Torres? Totalmente aclamada

 

Ao menos que você viva como um ermitão dentro da sua caverna, você e o Brasil inteiro tem apenas um nome em mente. Fernanda Torres. A atriz carioca de 59 anos se tornou um fenômeno nos últimos meses, especialmente depois do último domingo (dia 5). Torres atingiu a façanha de ser a primeira atriz brasileira a levar um dos prêmios mais importante da indústria internacional. O Globo de Ouro. E isso, exatos 25 anos após sua mãe, a consagradíssima Fernanda Montenegro ser indicada ao mesmo prêmio por Central do Brasil, em 1999.

O resto, nós já sabemos. A vitória se transformou numa comemoração coletiva do Brasil a níveis de Copa do Mundo, além de, é claro, ter virado meme. Fernanda Torres concorria com alguns dos maiores nomes femininos de Hollywood. Angelina Jolie, Tilda Swinton, Kate Winslet e uma Pamela Anderson meio perdida ali. Todas já premiadas ou indicadas e com seus nomes já consolidados na indústria.
 

Um Cometa Chamado Fernanda Torres
Dito isso, vamos apurar os fatos. Em primeiro lugar, é de extrema importância enfatizar: Não, o longa dirigido por Walter Salles não usou recursos da famosa Lei Rouanet. Isso por que a Lei Rouanet é voltada para eventos culturais. Isto é: Festivais de música, amostras de cinema, exposições, eventos geeks como a CCXP e por aí vai. A pegadinha que muita gente cai se dá ao fato de que na Lei Rouanet existe uma pequena verba para audiovisual, quem em grande parte usa-se para comerciais. Mas o valor é tão baixo, que mal seria possível comprar uma câmera de cinema. Inclusive, é proibido usar verba de recursos da lei para filmes desde 2007. Por tanto, nunca, nenhum filme brasileiro será feito com recursos da Lei Rouanet, é impossível.

Com isso esclarecido, vamos a diante. Sim, Walter Salles é parte de uma das famílias mais ricas do Brasil. Banqueiro, empresário e acionista, Salles está em 3º lugar na lista dos diretores mais ricos do mundo, ficando atrás apenas de Steven Spielberg e George Lucas. A diferença é que Salles é o único que não vive exclusivamente de filmes, apesar de ser um bom diretor. Não se enganem, para um homem como Walter Salles, cinema é hobby, é diversão. O que não é problema nenhum, afinal, para ser diretor de cinema é preciso ser rico. Infelizmente, é a realidade. Mais do que dinheiro para produzir um bom filme, Salles tem poder aquisitivo para bancar o marketing do longa. Capitalismo né?

É importante também dizer que o cinema brasileiro não precisa de nenhum tipo de validação internacional para atestar sua qualidade. Filmes brasileiros são ótimos e temos excelentes diretores, diretoras, atores e atrizes. O problema é que a cultura brasileira só é valorizada quando ganha algum prêmio de reconhecimento internacional. Vamos lembrar que durante a pandemia, os artistas foram atacados e menosprezados por uma extrema-direita que, ao mesmo tempo que desferiam críticas, passaram seus meses de quarentena maratonando séries e filmes na Netflix e afins.

Nas redes sociais, o bolsonarismo tentou boicotar o filme desde seu lançamento. O que não deu certo. Ainda Estou Aqui, e a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro representa tudo aquilo que o bolsonarismo mais repudia. Um longa anti-ditadura, adaptado de um livro cujo autor é filho de um ex-deputado torturado, morto e desaparecido em 1971, por agentes da ditadura. Como se não bastasse, levou um prêmio americano, para quem os bolsonaristas batem mais continência do que o próprio país. É a fatia da população que nega a existência de uma ditadura no país. Mas é como a própria Torres disse em seu belíssimo discurso de agradecimento; “esse prêmio é a prova de que arte pode resistir em tempos difíceis como esse”.

 

Mas e o Oscar hein?
Quanto à premiação de maior prestígio cinematográfico mundial, vamos por partes. A vitória de Fernanda Torres não garante nada e isso deve à vários motivos. O Globo de Ouro, por natureza, oferecia uma brecha maior para Fernanda, porque a premiação faz a divisão entre produções de drama e de não-drama. Além disso, os votantes são jornalistas, ou seja, pessoas que não fazem parte da indústria cinematográfica. E aí reside talvez os dois maiores desafios de Salles e Torres nessa jornada. O Oscar é votado por pessoas da indústria do cinema e já não divide filmes em gêneros. Até por esse motivo, precisamos ter os pés bem firmes no chão quanto à indicação de Torres na premiação.

Outro grande revés, e esse, bem mais recente, foram os incêndios que devastaram Los Angeles nos últimos dias. Os indicados ao Oscar, que seriam anunciados dia 17, foi adiado para dia 19. O SAG Awards, prêmio do Sindicato dos Atores de Hollywood teve o anúncio de seus indicados também adiado. A data da cerimônia por enquanto se mantém no dia 23 de Fevereiro. Aqui, ainda vale lembrar: o SAG Awards é votado pelos atores e atrizes de Hollywood é mais usado como termômetro para o Oscar do que o Globo de Ouro, e infelizmente, Torres não foi nem indicada. O que dificulta o favoritismo para um possível Oscar.

Os incêndios também atrapalham a campanha de Salles e Torres. Isso por que hoje (5ª feira, dia 9), Torres seria entrevistada por Jimmy Kimmel, o talk-show americano de maior audiência nos EUA. Cancelado por conta das queimadas. E Salles faria uma exibição do filme para alguns votantes importantes do Oscar, e que teria como apresentador Guillermo Del Toro, o premiado diretor e roteirista mexicano. Também cancelado. Ambos eventos seriam cruciais para promover o filme nos EUA, com mais salas exibindo o longa e, portanto, mais pessoas assistindo. Para piorar a situação, essa 6ª feira (dia10) é último dia permitido para os artistas fazerem suas campanhas em favor de seus filmes. Agora, resta esperar para que esse prazo seja também prorrogado.

Entretanto, independente dos incêndios, sempre houve uma outra barreira que Fernanda teria e terá que quebrar. A barreira da nacionalidade. Acontece que sempre temos que analisar PORQUE o Oscar premia as pessoas que premiam. Em 1999, quando Fernanda Montenegro perdeu, é preciso checar o contexto. Naquele mesmo ano, quem ganhou melhor ator foi o italiano Roberto Benigni por A Vida é Bela. E o que isso significa? Que o Oscar pode até premiar um ator não americano, mas se ele for europeu, especialmente do leste europeu, melhor. Mas no mesmo ano premiar uma atriz latina? Poxa Brasil, aí vocês querem demais né? Pois bem, essa foi e é até hoje a lógica do Oscar. A própria Fernanda Montenegro chegou a comentar isso em entrevistas.

A presença de Torres no Oscar é mais difícil, a disputa é acirrada e ela é uma brasileira desconhecida para o grande público americano. O que com certeza, vai tornar uma possível indicação ainda mais deliciosa de se comemorar, e se levar a estatueta para casa, poderemos considerar o Brasil praticamente um hexacampeão.


O Futuro do Cinema Nacional
A coisa mais fácil de achar na internet atualmente, são vídeos e artigos questionando se Ainda Estou Aqui e Fernanda Torres são a salvação do cinema nacional. Na opinião deste humilde crítico e cinéfilo que voz escreve, não, não é a salvação do nosso cinema. Isso por que, acredito que o cinema nacional não precisa ser salvo de nada. Já falei e falo de novo. O cinema brasileiro não precisa de uma celebração da indústria da cultura americana para atestar sua qualidade. O cinema nacional é bom porque é bem feito mesmo. Simples assim.

A possibilidade de Ainda Estou Aqui ganhar qualquer Oscar, terá sim um efeito positivo no Brasil. Mas esse efeito pode ser tão imediato quanto a curto prazo. Estou falando de pessoas que vão assistir mais alguns filmes brasileiros, especialmente os que tiverem Fernanda Torres e Selton Mello no elenco. O mesmo pode acontecer com a filmografia de Walter Salles. Mas isso é passageiro e talvez inspirem jovens atores e atrizes a um dia, talvez, quem sabe, chegar lá também, mas isso já seria longo prazo.

A salvação do cinema nacional é muito mais profunda e complexa que isso. Resumindo, ela está nas leis de incentivo à cultura. Nosso cinema será salvo quando as nossas produções tiverem a mesma quantidade de sessões em salas de cinema do que o pior filme da Marvel ou de Star Wars. Sessões essas, em dias e horários de pico. O que não acontece ainda, porque colocar o seu filme em dia e horário nobre de exibição custa muito caro, não tem público formado, e o dono do cinema de shopping não lucra. As leis que regulamentam isso são muito fracas e cheias de brecha que permitem os grandes cinemas (os de shopping) montem sua grade da maneira que lhe gera mais lucro.

Se Ainda Estou Aqui é alguma coisa, eu diria que um filme-evento. Um filme que justamente está na boca do povo por conta suas premiações, indicações e repercussão. Afinal, quantos filmes brasileiros a maioria das pessoas assiste por ano? No cinema? Estatisticamente, pouquíssimo, quase nada. Percebe onde quero chegar? Ainda assim, não tem como negar que é preferível um filme-evento, do que filme nenhum. A jornada de Walter, Fernanda e Selton uniu o país de uma forma que só vemos em Copas do Mundo. O Globo de Ouro registrou uma de suas maiores audiências da premiação graças aos “latinos” que eles tanto esnobam. De nada.

Agora, só podemos torcer pela indicação do filme e de Torres no Oscar. É cruzar os dedos, acender uma vela, fazer uma macumba. Tudo é válido. Não é porque não precisamos do selo de aprovação americana que não podemos torcer pelo nosso país. Se Ainda Estou Aqui ganhar como Melhor Internacional e/ou Torres for consagrada Melhor Atriz, será lindo, emocionante e histórico. Fato é que o Brasil não precisa, mas merece e muito. Queremos nos sentir o Pikachu.

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