Aos 80 anos, Roger Waters se despede do Brasil com uma turnê épica, sensorial e impecável

 

Foto: Anna KURTH / AFP

Shows de rock no Brasil são caros e isso não é nenhuma novidade. Poucos são os shows que justificam seu preço. Ainda que o dólar influencie, bem como imposto, transporte, custo de produção e até a relevância do artista no mercado musical. Muitas vezes paga-se uma fortuna por um show de 90 minutos e que muitas vezes o público sente que a banda ou artista está lá apenas cumprindo uma agenda definida por um empresário. Roger Waters talvez seja um dos poucos artistas que o preço seja mais "justificável".

Nesse fim de semana 11 e 12 novembro, a cidade de São Paulo recebeu pela quinta e última vez, o cantor, compositor, baixista e fundador do Pink Floyd, Roger Waters. Com 80 anos de idade e uma carreira de mais 50, o músico britânico fez dois shows na capital paulista que faz jus não apenas à sua grandiosidade, mas à sua despedida megalomaníaca.

Às 20 horas em ponto, o telão com um texto traduzido anuncia o início do show dentro de 20 minutos, depois 15, 10 e 5 minutos. Roger abre o show com uma versão hiper minimalista de Comfortably Numb. Roger Waters sabe, como ninguém no mundo da música, preparar seus fãs. Sua habilidade em criar expectativa para o grande momento é simplesmente incomparável.

De todas as passagens de Waters pelo Brasil, essa talvez tenha sido a mais focada em seu trabalho solo. Claro que isso não impede que o setlist de 24 músicas passe pela história do Pink Floyd. Tudo com o auxílio de luzes e lasers psicodélicos e 4 telões enormes e de altíssima definição que se estendem de ponta a ponta no palco e que além de servirem como auxílio para aqueles que estão mais longe do palco, também passam as mensagens políticas e ideológicas de Waters.

Regado à muitas críticas políticas através de textos e imagens reais, Roger diz tudo o que pensa. Políticos são criminosos de guerra, o capitalismo exacerbado precisa parar, os milionários devem ser taxados, estamos vivendo um futuro distópico previstos por autores como Aldous Huxley e George Orwell está acontecendo e é claro, parem como todo e qualquer tipo de genocídio. Mas, diferente de sua última passagem pelo Brasil em 2018, não houveram vaias. Talvez porque logo antes do show começar, um texto aparece na tela, lido por um Roger Waters de voz rouca que dizendo que se você for um dos fãs que alega amar o Pink Floyd, mas não suporta as políticas do músico, você pode ir pro bar mais próximo ao estádio.

Políticos são duramente criticados enquanto civis vítimas de conspirações governamentais são homenageados, incluindo até Marielle Franco. Se tratando de um show de um ex Pink Floyd, o espetáculo audiovisual de quase 3 horas de duração é dividido por um intervalo de 20 minutos que para alguns fãs pode quebrar o ritmo da experiência multi-sensorial. Enquanto isso, um porco inflável estampado de tijolos e com mensagens provocantes pairava pelo estádio. Como dito, Waters sabe construir um grande momento.

Passando por quase toda a discografia da banda, o icônico disco Dark Side of the Moon é dos mais possui mais músicas no set, contando 5 delas. O show ainda encontra tempo para passar pelo seu último trabalho solo, lançado em 2018, e fazer homenagens menos ativistas e mais intimistas. É o caso de Wish You Were Here em que é precedido por uma história tocante sobre a amizade entre Waters e Syd Barret, o embrião da banda, com imagens dos 4 integrantes e talvez, fãs mais assíduos (como este que voz escreve) tenham percebido a ausência da imagem do ex guitarrista e vocalista, David Gilmour.

O show é alto, explosivo, grandioso e épico. As luzes são fortes, coloridas e há momento onde tanta coisa acontece que faz o público não saber pra onde olhar e ainda assim, ser completamente surpreendido por tanta produção.

Essa também é provavelmente a apresentação mais versátil de Roger, que além do baixo, ainda toca guitarra, violão e piano. Como se não bastasse tanto talento, o músico ainda explora mais o seu lado cênico, interpretando uma versão diferenciada de Pink, o protagonista do longa lançado pela banda em 1982. O disco auto biográfico e maior obra prima do músico, conta com 7 músicas, incluindo é claro, Another Brick in the Wall.


Foto: Instagram Roger Waters

Os shows de Roger Waters sempre foram muito conhecidos por ser uma grande experiência sensorial. O que é auxiliado pelo também famoso sistema de som quadrifônico, que consiste em caixas de som espalhadas por todo o Allianz Parque, fazendo com que o público se sinta “dentro” da música. Chega a ser possível entender porque Roger brigou tanto, por tanto tempo na justiça para manter o nome da banda para si.

A banda de Waters é igualmente excepcional. Trajando roupas pretas, cada músico tem seu destaque, e mostra a que vieram. Alguns que já trabalham com Roger há anos, como o guitarrista Dave Kilminster e o tecladista Jon Carin. E ao final da noite, Waters homenageia Bob Dylan, sua esposa Kamilah e seu irmão mais velho John que faleceu no ano passado.

A qualidade e perfeccionismos do show são indiscutíveis. Claro que um show com tanta coisa acontecendo, precisa ser milimetricamente roteirizado, o que não dá brechas para improvisações ou mudanças de músicas no setlist. A turnê toda é um grande espetáculo, quase como um filme sendo reprisado. Há aqueles fãs que preferem uma variedade maior de músicas, mas essa sempre foi a proposta de Waters. E sempre deu muito certo.

Roger Waters concluiu sua última passagem pelo Brasil fazendo o que faz de melhor: proporcionando ao público um show absolutamente impecável cheio de surpresas e que vai ficar em nossas memórias para sempre. Após a o fim dessa turnê o músico deve se aposentar, mas seu legado já foi deixado para nós. E nós, só temos a agradecê-lo por tamanha experiência e genialidade musical. Muito obrigado, Roger Waters.

 

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