A reviravolta da recreio no álbum de estreia "Tiranos Melancólicos"


Arte: Gustavo Poester
Arthur Valandro, André Garbini, Bernard Simon, Gabriel Burin e Ricardo De Carli integram a banda porto-alegrense, recreio, que lança seu álbum de estreia, Tiranos Melancólicos, distribuído pela SoundOn. O single Empatia deu o pontapé inicial no disco, seguido de Fumaça Pura, que acaba de ganhar um videoclipe dirigido por Ricardo De Carli. Ouça o álbum aqui e assista ao clipe aqui


Para alguns, esses nomes podem soar familiares. A recreio nasce da Soundlights, que chegou a lançar o EP Sons que vêm do Sítio, pela Lezma Records, e circulou por grande parte do sul e sudeste do país com apresentações ao vivo.


E pode-se dizer que o quinteto surgiu de uma forma natural, ainda antes do início do isolamento social, pois Arthur já havia se aventurado em um  processo para criação das faixas do trabalho que viria a ser de estreia do grupo. A substituição de softwares de gravação e edição de áudio por composições no formato voz e violão, levou as músicas para um campo até então não muito explorado pelo projeto inicial. Tais arranjos foram executados em reuniões semanais com Bernard e Ricardo, que assumiram, a partir deste momento, a produção da obra.


"Estudamos especialmente as letras, melodias e harmonias - nossa ideia era que, se as músicas funcionassem neste formato de voz e violão, a partir daí se poderia assumir diversos caminhos de arranjo com alguma segurança de que no final, as canções ainda teriam uma contundência. Adotamos esta ideia pensando em uma engenharia reversa - gostaríamos de fazer um disco em que as pessoas pudessem aprender a tocar o repertório no violão com uma certa facilidade”, recorda Ricardo.


A chegada da pandemia poderia ter sido um percalço na carreira da banda recém-formada, mas acabou servindo para um novo olhar coletivo dentro do projeto, culminando em áreas ainda não exploradas: "Era março de 2020, estávamos com o pé na porta para adentrar uma imersão musical e, então, chegou a pandemia. Passamos a nos reunir diariamente pelo Discord. Nem sempre falávamos do trabalho, muitas vezes o encontro era resumido a uma troca afetiva, a um diário de bordo do dia-a-dia do isolamento. Sentimos que para nós essa adequação demandou uma dinâmica de conversa e escuta que passou a respeitar muito o tempo de fala de cada pessoa - temos certeza que isso nos fez músicos melhores, e definitivamente afetou a elaboração dos arranjos", revela Ricardo.


O processo de registro do disco foi distribuído entre 2021 e 2022, entre períodos em Garopaba (SC), no litoral Catarinense, na capital gaúcha no estúdio frisbe e no home studio de Bernard Simon. 


"Em Maio de 2021, passamos um mês juntos numa casa, no litoral catarinense. Levamos os instrumentos, arredamos os móveis e a sala virou nosso estúdio. Apostamos nessas dinâmicas com o intuito de otimizar nosso tempo, relacionamento e criação. Conviver por tanto tempo, dormindo e acordando, dia após dia, nos colocou em um estado de panela de pressão que nem sempre foi fácil, mas, também, houve momentos quase sublimes de conexão e composição que não teriam acontecido de outra forma", recorda o grupo.


Muitas das faixas foram gravadas ao vivo em take único (exceto pela voz e percussões), resultando em uma sonoridade orgânica. Um ponto incomum na banda é a falta de instrumentos fixos para cada integrante: “Com frequência trocávamos de instrumento, notando o que cada formação apresentava como possibilidade, pois cada pessoa trazia uma abordagem diferente no toque. Até hoje a banda não tem uma formação no palco bem definida, algo que foi incorporado em nossos shows”, conta Ricardo.


Felipe Apolonio (Fapo) assinou a engenharia de áudio das sessões de gravação e a mixagem e masterização ficou por conta de Martín Scian, que assinou o disco LECH da Ana Frango Elétrico, apontado pela banda como peça crucial para o resultado: “Nossas trocas foram muito mais sobre sensações e imagens do que sobre termos técnicos, e felizmente funcionou muito bem. Pensa nessa situação: é fim dos anos 90/início 2000, você chegou em casa da escola e ligou no Disk MTV. Estreia um clipe de uma banda que você ainda não conhece, mas acaba curtindo muito. No dia seguinte, quando encontra sua turma, todo mundo assistiu e tá conversando sobre. É assim que tem que soar”, aponta Ricardo.


Já o título do álbum, Tiranos Melancólicos, veio por uma pesquisa sobre as interações de aves com seus ambientes. O pássaro suiriri inicia o processo migratório alçando voo a partir do Rio Grande Valley of Texas (EUA) e percorre os céus das Américas até chegar nos campos do Rio Grande do Sul (Brasil). Folclores locais associam sua chegada à finalização de seu ciclo de vida. O pássaro que percorre as Américas, de Rio Grande a Rio Grande, ganha o nome científico de Tyrannus melancholicus.


Tal narrativa ilustra de forma precisa os temas abordados no disco: os danos culturais e ambientais da globalização desenfreada e a identificação do ser humano  que, não aceitando a melancolia que lhe pertence, passa a ser um tirano.

Capa

O senso de coletividade incorporou não só o processo criativo das canções da obra, como também esteve presente na ilustração da capa, fruto de uma dinâmica entre todos os integrantes e o criador da arte, Gustavo Poester. 


"Desenhávamos por cima de imagens fotográficas de tyrannus melancholicus com papel vegetal, utilizando pastéis secos, oleosos, carvão e giz. Após um minuto no relógio, o desenho era dado para o colega ao lado prosseguir, até fechar a roda. Éramos seis, logo, surgiam aproximadamente seis pássaros novos a cada seis minutos. A partir desse enorme banco de tiranos, criei uma composição inspirada naquelas enciclopédias visuais e almanaques com ilustrações coloridas postas lado a lado, que não se encostam", pontua Gustavo. "Ao contrário dos pássaros, os papéis estão em sobreposição e se tocam, evidenciando o processo de criação que utilizou essas transparências. O título preto na base aterra a composição. A cor, o tratamento digital e a serifa, contrastam com a leveza dos pássaros e, por consequência, criam o peso que serve como base e também evidencia o gritante contraste entre nomenclatura científica e a leveza dos passarinhos coloridos", finaliza o ilustrador.


Clipe

O conceito do álbum é evidenciado na obra audiovisual produzida pela banda e dirigida por Ricardo De Carli, integrante do quinteto. A fotografia retrô é utilizada para evocar a narrativa proposta: "Um dos eixos que conceitua o disco é o paralelo entre os Rio Grandes (Rio Grande Valley of Texas - EUA e Rio Grande do Sul - BR), territórios que delimitam a origem e destino do processo migratório do suiriri (Tyrannus Melancholicus). Culturalmente, ambas regiões sulinas compartilham uma construção de uma masculinidade conservadora, limitada a padrões de virilidade (o caubói e o gaúcho). A ideia foi propor um clipe que se apropria desta imagem e a coloca em questão. O que parece tratar de um faroeste-gaudério, revela-se como o registro documental de uma sessão de equiterapia. O contraste entre as diferentes narrativas é acionado pela presença de um ser luminoso e seu olhar subjetivo, que sugere ser transversal a diferentes realidades", explica o diretor.


Show de lançamento

A única apresentação ao vivo da banda foi feita em julho no Teatro de Arena, em Porto Alegre. Com os ingressos esgotados, o grupo apresentou as músicas do novo álbum, desconhecidas pelo público, mas que não impediu de cativar a audiência que gritou por bis no final da apresentação. 


Para celebrar o nascimento do álbum, o grupo vai realizar o show de lançamento em um dos principais espaços  para música independente em Porto Alegre, a casa Agulha. O power-trio instrumental Cardamomo foi o projeto convidado para dividir o palco na noite de estreia, que acontece dia 8 de setembro, a partir das 21h. Os ingressos podem ser adquiridos aqui.


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