Entrevista com Tico Santa Cruz (Detonautas)

Foto: Fabiano Santos
Nossa primeira entrevista do ano é com Tico Santa Cruz, vocalista e um dos membros-fundadores do Detonautas Roque Clube, que falou conosco sobre o começo da banda, MTV, viagens para fora do Brasil, momentos difíceis, parceria com artistas de outros estilos e muito mais nessa ENTREVISTA EXCLUSIVA!!



1 - Com os Detonautas, vocês estiveram no auge no começo dos anos 2000, abrindo shows de bandas como Red Hot Chilli Peppers, Silverchair, emplacando hits atrás de hits, além de levarem o prêmio VMB do  mesmo ano. Como foi abrir para bandas como essas (além de algumas como Marky Ramone, e Offspring) e o quanto faz falta a MTV Brasil para os crescimento/divulgação de novas bandas?


Na verdade são dois períodos diferentes né. O início dos anos 2000, de fato após o Detonautas depois de ter lançado o primeiro e segundo disco, em 2003/4, a gente abriu o Red Hot Chilli Peppers, Silverchair e tocamos em muitos festivais que tinham na época enquanto o rock era um dos estilos mais populares no Brasil, numa fase boa do rock, vamos dizer assim, com a MTV e as rádios dando todo suporte que existia pro rock na mídia. A gente viveu uma fase muito boa de fato, não sei se foi o auge, mas certamente o auge dos dez primeiros anos, em que a gente se estabeleceu no mainstream e foi muito legal, pra gente foi muito bom. Nosso convívio com a MTV não foi muito fácil, mas embora tenha tido alguns aspectos que não cabem nesse momento, conquistamos o VMB de banda revelação de uma geração que incluía artistas como a Pitty e o CPM22.


Em 2011 o Detonautas viveu um momento muito positivo, que foi o palco Mundo do Rock in Rio, quando a gente se tornou a primeira banda brasileira independente a pisar no palco Mundo, num dos principais festivais do mundo e tocando junto com Guns N' Roses, System Of A Down, Evanescence, bandas que a gente admira e respeita muito, foi uma oportunidade muito incrível, 100 mil pessoas nos assistindo. Em 2013 nós voltamos ao Rock in Rio, abrindo os trabalhos do palco Sunset, tocando com Marky Ramone e com Offspring, uma banda que influenciou muito o Detonautas no começo da carreira.


A questão do auge eu considero bastante subjetiva, pois o auge midiático pode não ser necessariamente o auge artístico e nem de produção. Eu acho que o Detonautas ainda tem potencial para chegar a um caminho, a uma altura cada vez maior e nós vivemos ainda num nível de produção bastante importante.





2 - Depois de dois discos e um DVD lançados, vocês sofreram uma baixa, tanto na banda quanto de uma amizade que não está mais entre nós. Aquele período foi o mais dificil da banda e talvez também de sua vida em particular?

De fato naquele momento, depois que a gente lança o Psicodelia (o Neto participou dele também) vivenciamos essa experiência trágica de perder um grande amigo para a violência do Rio de Janeiro, o Neto foi assassinado num assalto e a gente perdeu o chão, foi o momento mais difícil das nossas vidas, carreiras e foi difícil de atravessar o luto, revolta, ódio, impotência e todos os sentimentos que involvem esse tipo de acontecimento. Optamos por se manter na estrada e talvez se tudo mundo não tivesse feito isso, teríamos entrado num estágio de depressão muita profunda e a perdido a referência de trabalho, tudo e também a forma de manter a própria história do Rodrigo viva e dando suporte psicológico para que a gente pudesse continuar acreditando que valia a pena seguir. Então a gente foi obrigado a amadurecer muito naquele momento e depois daquilo, certamente a nossa de ver o mundo, experiências com shows no mainstream e toda nossa carreira passou a ter outro significado, então considero esse momento pontual na nossa história, foi bastante difícil.




3 - Falando ainda nesse tipo de assunto, como foi recebida por você as notícias sobre Chorão e Champignon e como é a relação entre você os membros remanescentes do CBJr?

Eu fiquei muito (enfase no muito, repetido diversas vezes) triste, assustado, fragilizado naquele momento, porque o Chorão pra mim sempre foi um ídolo, um cara que tive a oportunidade de conviver na estrada em alguns momentos e foi uma tragédia, que a gente não espera e que atinge a todo mundo que gosta de rock, que acompanhava o cara, gostando ou não de Charlie Brown, a importância do CBJr, do Chorão na vida, na formação das pessoas do rock nacional. Foi uma tragédia muito grande que se seguiu ainda com a morte do Champignon, que também foi muito violência, grossseira e uma história difícil. 


O Charlie Brown é pra mim a maior banda de rock nacional dos anos 90, permanece na minha memória e relação afetiva musical, como sendo uma das maiores influências do Detonautas e a nossa relação com os caras era boa, muito boa. No final a gente chegou a ter um atrito (eu com o Chorão) por conta de um mal entendido que aconteceu num show e depois entreguei um prêmio para ele, um pouco antes de falecer, na Festa Nacional da Música (no Rio Grande do Sul) mas acredito que tenha sido realmente um acidente aquilo que aconteceu, a overdose foi decorrente de um problema de dependência química muito sério, que as as pessoas muitas vezes desconsideram, tantos os fãs quanto quem está passando por isso e infelizmente perde e acaba acontecendo algo assim.


Eu me aproximei muito da família do Chorão, na época que estávamos lutando pelo Skate Park, de transformar ele num memorial a ele, sua história e a tudo que ele fez, então acabei me aproximando muito da Grazi, do Ricardo, da família dele, dessa parte da família dele e também pude entender um pouco de onde vinha a inspiração do Chorão e toda essa forma que ele encontrou de se expressar no mundo,de fazer música.


Foi muito triste essa passagem, tanto do Chorão quanto do Champignon,  marcou muito todo mundo. Até hoje escuto Charlie Brown, é uma banda que faz parte da minha vida e a gente sente falta com certeza deles dois e do Charlie Brown.


4 - O que podemos encontrar na internet é que a recusa de um Acústico fez a banda sair da gravadora da época (Warner), mas logo após a saída de lá, vocês gravaram O Retorno de Saturno, que pode ser considerada o oposto de Psicodeliamorsexo&Distorção, ao menos no estilo do som e densidade dos instrumentos e logo depois veio Detonautas Acústico, que traz inclusive covers de Plebe Rude, Legião Urbana e proporcionou a banda uma ida ao Japão. Qual a razão da recusa do acústico, que acabou sendo feito cronologicamente um pouco depois e como foi tocar no Japão (nós fale também quais outros países que vocês chegaram a fazer tour, nessa época ou anterior a ela)? 


A gente teve um problema com a Warner na época, em relação terceiro disco, que foi um disco mais pesado, o Psicodelia foi um disco bastante denso e num dado momento a gravadora percebeu que ele não tava conseguindo acessar a mídia e o público como eles esperavam, eles meio que optaram por não investir mais no disco, nós investimos por nossa conta, conseguimos " aos 49min do segundo tempo" estourar uma música - Você Me Faz Tão Bem - talvez a mais acessível do Psicodelia, então ela fez sucesso. Essa música o Neto queria que fosse a primeira do disco e eu teimosamente consegui convencer de que tínhamos que arriscar mais e acabamos lançando Não Reclame  Mais, que não deu em nada, então é eu errei na escolha, pagamos um preço por isso, mas depois recuperamos e já havia acontecido a tragédia. Aí quando a gente recuperou, a Warner quis renovar o nosso contrato, com a condição de fazer um acústico, que naquele momento (depois da tragédia que tínhamos vivido com o Neto) está vamos com muitas letras, muitos sentimentos, composições e não achamos que seria adequado lançar um disco acústico, pois tínhamos muita coisa pra falar do que estávamos sentindo e está n'O Retorno de Saturno, que é um álbum belíssimo, melancolico, mais lento, mais leve no ponto de vista instrumental, mas um disco bastante intenso do ponto de vista emocional e existencial. Então nossa condição era lançar o acústico só após O Retorno de Saturno e para isso acontecer a já saiu da Warner e fomos pra Sony, onde lançamos o disco e posteriormente o Acústico.


Nós já tínhamos ido ao Japão, inclusive com o Neto. O Detonautas esteve no Japão duas vezes e era para ter ido esse ano também, mas por conta de divergências que aconteceram em relação a atuação de um 'grupo organizado anti-democrático', que acabou atacando as redes das produtoras, eventos e etc adiou a nossa ida em 2018. O Detonautas faz EUA, Japão, eu tive a oportunidade de estar na Europa ano passado em Portugal, Londres com um projeto paralelo. Cronologicamente o Detonautas vai ao Japão em 2005 e volta em 2008 0u 2009. 


Tivemos a oportunidade de tocar fora do país e o Acústico é um álbum que foi lançado e por divergências que aconteceram por posicionamento de mercado do Mainstream, ele acabou sendo lançado somente no Youtube, mas incrivelmente ele por si só, por ser um belíssimo trabalho, ele estourou nas mídias sociais e possui mais de 70 milhões de visualizações, vídeos com 20/30/60/80 milhões de visualizações, o que mostra que a força da música transcende a força da indústria e de que o Youtube hoje tem muitos artistas que lançam músicas e ficam famosos, ganham volume através do Youtube e outras redes parecidas, então nosso trabalho é muito forte, temos uma longevidade e uma história muito grande então tudo issso forma uma conjuntora para quea gente continue fazendo nosso trabalho, lançando discos, singles e trabalhando bastante com as ferramentas que a gente tem, no caso de hoje muito mais as ferramentas da internet do que com veículos de comunicação em massa, mas esperamos contar no futuro que recuperamos esse espaço nos veículos de comunicação.




5 - Qual sua favorita de tocar ao vivo?

A música é estado de espírito, então nossos repertórios se adequam aos sucessos da banda e tem músicas que vamos intercalando com o que vamos sentindo em relação a determinadas situações de vida. Não existe uma música favorita de se tocar ao vivo. Olhos Certos, por exemplo, é uma música que gosto bastante de tocar ao vivo, mas não é a que eu prefiro, existem outras, em outros momentos, é muito de como estou me sentindo no dia e deixar fluir.





6 - Após seis anos sem um lançamento de inéditas, finalmente foi lançado A Saga Continua, que no meu modo de ver pode ser considerado o melhor disco da banda, não somente por não se prender a um estilo sonoro, como por conseguir trazer as letras romanticas de outros trabalhos, mas juntando a problemas sociais (como em Quem É Você, Seja Forte Pra Lutar), de vivência (como em Combate), depressão (4ever Alone), questão mais madura do sexo (Sexo Tântrico) e romantismo (Vamos Viver). Vocês também consideram que esse tenha sido o melhor trabalho da banda (apesar de não ter tanto sucesso quanto os do começo da carreira), ao menos na questão de amadurecimento de sons e amplitude das ideias por trás das letras?

A Saga Continua é um disco muito interessante, porque na verdade ele é dividido em dois discos, tendo de um lado músicas mais pesadas, com uma sonoridade mais crua, mais de garagem e de outro lado uma pegada mais romântica, uma abordagem mais poprock, que mostra que o Detonautas é uma banda bastante versátil. 
Eu gosto do disco, tem muitas músicas que eu gosto muito, como O Alienista, Sabemos Fingir - é uma música que tem uma mensagem bastante atual -, Seja Forte Pra Lutar é uma música muito bacana, tem parceria com a Cone Crew (A Sua Alma Vai Vagar Por Aí), tem também música mais blues rock. 


Esse é um disco de muitas características, muita variedade. Tem Quem É Você, que é uma música de protesto numa pegada mais de rap, eu acho que esse disco talvez mostre bastante a versatilidade da banda, mas ele tem uma característica diferente, ele é um disco que foi composto ao longo de vários anos e depois compilamos todo ele nesses dois álbuns, então eu gosto muito, tenho bastante carinho por ele, escuto até hoje, gosto das letras, foi um momento muito bom da minha inspiração.


Não acho ele o melhor disco da banda, que para mim é O Retorno de Saturno, de 2007. Em termos de letra, abordagem, sonoridade, pressão, timbres eu acho o Psicodelica muito importante; Os fãs acham que o melhor disco da banda é o Roque Marciano; O disco que troxue a banda para o grande público, para se tornar conhecida nacionalmente é o Detonautas Roque Clube, a gente lançou o Acústico que estourou na internet e popularizou a banda com um público que não era tão rock e agora, depois de tanto tempo, lançamos de novo o álbum VI, que é mais experimental, com bolero, outras abordagens, mais lento, psicodélico em certos momentos (como em Na Sombra de Uma Árvore) e tem uma pegada mais leve, até por isso colocamos uma pluma como capa.





7 - Sobre O Alienista, qual a história por trás da música? Ela é realmente uma transformação do livro para letra de música?

É uma das letras que eu acho mais precisas na minha abordagem de visão da sociedade e na verdade ela é baseada no Alienista (do Machado de Assis) que é um livro sensacional e que representa muito do que estamos vivendo hoje, a sociedade brasileira de modo geral e que boa parte do mundo esteja inserida dentro desse tema. É uma tematica que o Machado aborda no passado, mas que é atual de várias formas, pode ser aborda no cinema com Matrix, Show de Truman, com outros filmes me inspiraram a escrever os primeiros versos.


Eu resolvi  colocar o nome de O Alienista pra gerar curiosidade nas pessoas e elas lerem o livro, pois tem gente que se interessa, que sejam 2, 3 pessoas para fazer contato com essa literatura é maravilhoso. Essa música aconteceu de uma forma muito inusitada... Eu recebi de um cara na internet, no twitter, falando que tinha umas músicas e me passou por email, li, ouvi, gostei. 





8 - Nos últimos discos, houveram participações de artistas como ConeCrew, Lucas Lucco e Alcione. Qual razão levou a essas participações mais "diferenciadas"? Um público mais novo acabar conhecendo a banda e talvez poder se interessar?

Lucas Lucco e Alcione foram artistas que a gente convidou para mostrar que o rock precisa dialogar com outros estilos e amadurecer essa visao etilista de que o rock é o melhor estilo de todos e ninguém pode se misturar com ninguém, eu já tive essa concepção e hoje sou mais aberto a isso. Já sobre a ConeCrew, foi no álbum A Saga Continua, no íncio deles e mostra que o Detonautas é uma banda que tem essa característica de misturar com estilos paralelos ao rock, o hip-hop é paralelo e dentro da mesma linha de sonoridade no sentido de falar a respeito de temas semelhantes, transgreção etc então diferente da Alcione, que é uma diva da MPB e do Lucas Lucco que é artista de pop sertanejo, então mostramos que o Detonautas transgredir esse paradigma do rock, de que não se pode misturar com outros estilos




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