Por volta das 17h, chegamos ao CCSP, pegamos nossas pulseiras que davam acesso ao camarim do local e descemos as escadas, logo de primeira já demos de cara com Gross, que agora é seu próprio roadie e estava trocando cada uma das cordas de sua Rickenbacker, quando cumprimentou a gente e, por ali mesmo, começou a conversar conosco sobre sua saída da Cachorro Grande, que completará dois meses. Também falou sobre a formação nova de seu trio, se pretender ampliar a turnê e fazer shows internacionais, ideias para próximo disco, o que anda ouvindo, com quem gostaria de fazer parcerias e muito mais que pode ser acompanhada "Nessa Trip".
Como as coisas têm passado após a saída da Cachorro Grande?
No início eu fiquei meio chateado, foram quase 20 anos fazendo aquilo e tínhamos acabado de lançar um disco que celebrava os nossos 18 anos e estávamos com a agenda cheia e bem feliz de cair na estrada de novo, divulgando um disco que produzi com o Beto e o Jander Antunes e que gostei bastante do resultado. No primeiro momento fiquei muito triste, mas depois comecei a entender que tinha lançado um disco que estou muito orgulhoso do resultado, que é o Chumbo & Pluma, e que também está com a agenda cheia, graças a Deus, não parei muito pra pensar em tudo isso, senão ficaria maluco, já que estava vindo de um clima de depressão, por problemas pessoais. Meu maior remédio foi sair trabalhando, e na semana seguinte montei meu novo trio, que conta com o Alexandre Papel na bateria e o Eduardo Barretto no baixo. Formei uma equipe com as pessoas que gostam de mim e que posso confiar, para vender os shows, cuidar da assessoria de imprensa e sair em turnês, e com todo o carinho que o público manifestou por mim nas redes sociais e de quem ficou ao meu lado, me deu muita força, foi muito importante pra mim nesse momento pra seguir como um "cachorro solto e sem coleira".
Seu foco agora é a carreira solo, mas você já chegou a trabalhar em estúdio, fazendo a produção de outros artistas?
Foi uma coisa que eu fiz esporadicamente, mas gostei de fazer. Outra coisa que estou aberto a fazer também é tocar com outras pessoas e já apareceu alguns convites para o ano que vem, mas agora preciso "engatar a segunda marcha" na minha carreira solo.
Parece que a repercussão da minha saída da Cachorro Grande fez com que as pessoas acordassem pro meu som. Pessoas que sabiam que eu tinha carreira solo, mas nunca tinham ouvido, acabaram parando para ouvir o que estava fazendo e isso foi muito legal.
Como tem sido a recepção do público com o seu trabalho solo?
É bem diferente do público da Cachorro, sinto muita falta dos shows grandes com a banda, do público grande, no qual sou responsável por muitas canções e por ter trilhado esse caminho durante o tempo todo, mas eu acredito que trabalhando, apesar de não ser numa época favorável para o rock, eu acho que com o tempo vou conseguir "levantar minha pipa" de um jeito que cada vez mais público e mais gente vai acabar prestando atenção. (Crise de risos após essa resposta, por motivos meio óbvios).
Quais são os planos para essa turnê que descansa mas não para, do Chumbo e Pluma? Pretende ficar no trecho SP-Sul?
Nesse primeiro momento teve bastante demanda de shows no Sul e em São Paulo, outra coisa que aconteceu enquanto me organizava para ter um pessoal que agendasse os shows pra mim, foi que muita gente me contatou querendo show imediatamente e eu acabei fechando, trabalhando com as armas que tinha mão pra não ficar parado e casou de bastante de ter sido fechado nesse eixo.
Já estamos trabalhando para ir pra Vitória da Conquista, Belo Horizonte, já tem shows praticamente fechados e eu quero muito ir pra lá e aumentar o público nesses lugares, levar rock 'n' roll pra essa galera. Vejo uma galera nas redes sociais pedindo show em Norte/Nordeste e com a Cachorro Grande sempre fui pra esses lugares que tem um público sedento por rock 'n' roll.
O que muda é a logística, né?
É mais caro, mais difícil ir pra lá, então tem que ser feito com cuidado, para não ter prejuízo e também otimizar, tocando em mais cidades vizinhas durante uma ida, pra valer a pena pra mim e pra mais pessoas assistirem.
Com a Cachorro Grande vocês não chegaram a ir pra fora, com o trabalho solo acha que é possível?
É possível, tanto que o pessoal da Dafne - que lançou o meu disco - deu uma lista de onde as músicas são mais tocadas no Spotify e Espanha, Portugal e Inglaterra ouvem 3x mais do que no Brasil. Isso me dá uma vontade de ir, principalmente pra Espanha e Portugal, mais cedo ou mais tarde pode rolar, mas nesse primeiro momento eu estou querendo muito consolidar meu trabalho aqui, fazendo mais videoclipes e shows.
Há ideias para um novo disco?
Eu tenho 10 canções prontas que fiz em Janeiro, quando me senti inspirado e agora tenho que ver como vou fazer, gravar etc. O disco já tem nome, mas não sei se vou mudar até lá.
Quais bandas você tem ouvido? Algum som novo que chamou sua atenção recentemente?
My Magical Glowing Lens, da minha amiga Gabriela, que tá me dando um 'laço' na guitarra, tocando melhor que eu, usando uns delays, nós sempre trocamos figurinhas de pedais e ela é uma peça na qual eu quero trabalhar no futuro. Também tem do Rio, Pretty Babies e a Tatubeleza. Do Sul também tem umas legais, General Bonimores, Los Marias, Os Variantes.... Banda nova boa tem pra caramba, é só a galera dar uma chance.
Um disco que estou ouvindo bastante e está muito bom é o último do Frank Jorge, Histórias Excêntricas ou Algum Tipo de Urgência.
E internacional?
Olha, vou te dizer que tenho ouvido mais bandas novas brasileiras do que gringas. Como todo mundo, tô ouvindo Greta Van Fleet, os meninos do Led Zeppelin que não tem como
parar de ouvir o primeiro disco deles e eu esperava que tivesse mais bandas nesse clima.
Eu gostei do último disco do Arctic Monkeys, achei que foi bem legal a virada dele, gostei mais desse do que dos outros discos, gostava bastante do Humbug, meu disco favorito deles. Gostei do último disco do MGMT, os últimos discos de bandas que não são tão novas, mas que sempre são legais e tudo que eles fazem estou ouvindo.
Sillywalkers é um projeto paralelo seu e no último mês, aconteceu a gravação de vídeo e som de uma apresentação de vocês. Qual o intuito desse grupo?
É uma banda que fizemos entre amigos para se divertir, cair na estrada tocando o que a gente gosta e o mais legal é que fazemos versão para músicas que a gente curte, não cover, então tem músicas meio jazz, por exemplo. É uma banda formada por amigos do peito e é isso é o mais importante. Incorporamos também um nipe de sopros e tem o Charly Coombes tocando teclado e gravamos um disco em um dia, sem ensaiar e vai sair pelo Selo 180, gravamos também um DVD neste mesmo dia e deverá sair também.
A banda é tão chique que os guris estão indo fazer turnê na Escócia e eu só não vou porque já tinha me comprometido com várias datas da minha carreira solo, estou engatando a "segunda marcha" da minha carreira e também, impressionado comigo mesmo pela quantidade de coisas que estou fazendo.
Com quem você tem desejo de ainda fazer uma parceria?
"Caetano Veloso."
"Você é amigo dele, por que não faz?"
"Vou ver isso, um dia chega meu dia. Tem a Maria Bethânia, que é irmã dele e ta perto também. Tem Gilberto Gil, Gal Costa..."
"Marcelo Gross MPB, que chique."
"Se for ver, os três ou quatro últimos discos do Caetano são de rock."
"Tem um funk também, no João Rock geral começou a descer até o chão com Alexandrino."
"Acho que até seria uma boa ideia quando tocar com ele fazer um funk invés de rock." (risos)
Ainda há sexo, droga e rock'n roll? Ou a idade já tem pedido pra maneirar?
É igual fala o Serge Gainsbourg, que recomendo muito que vocês ouçam enquanto leiam esse final de entrevista. Sea, sex and sun tem sido meu lema. Seaaaaa, sex and sunnnn, conhecem essa?
Eu estou me cuidando, passei por umas "pedreiras" pessoais, mas eu estou saindo dessa e o trabalho é o melhor remédio pras dores da vida.
Como foi a abertura para o Lobão no mês passado no RS?
Foi bem legal, Lobão é um amigo meu das antigas, que em várias ocasiões da minha vida ele estendeu a mão e nunca deixou de estender. É um cara que eu admiro bastante e foi uma noite bem legal. Como estou sempre atento ao que ele faz, achei o último disco muito bom. O problema das pessoas, é que elas esquecem da parte artística e dão mais importância para a posição política e esquecem de apreciar a música; dá para apreciar a arte sem, pelo amor de Deus, ligar para o que a pessoa fala e a filosofia partidária dela. É a mesma coisa de tu não curtir o som de cara porque ele não torce pro mesmo time que tu torce.
Eu admiro o Lobão dentro dessa postura verborrágica, além dele ser um cara muito inteligente, é a atitude rock'n'roll, que é incomodar e causar polêmica. Acho que é isso que falta atualmente na música e é uma coisa que ele sabe fazer bem. Eu sempre me divirto com as polêmicas deles, porque as pessoas, normalmente, não conhecem o Lobão e ele é uma pessoa querida e inteligente. E esse disco dele tá excelente, já que ele tá fazendo uma releitura dos anos 80 e é uma extensão do livro.
Como foi a recepção do público?
A gente abriu o show dele, tocamos bem cedo enquanto o público estava chegando, mas quando terminamos de tocar, a casa já estava cheia. Quem estava presente curtiu bastante o show e para mim é importante tocar em festival, abrir shows de artistas conhecidos porque as pessoas conhecem o Gross como aquela figura que tocava guitarra na Cachorro Grande. Agora quero que as pessoas conheçam a minha carreira solo e meu lado compositor, e que além de guitarrista, eu sou um criador... de confusão. (risos)
Como o MOD influencia a sua vida?
Sempre influencia, porque o mod é elegante e é a estética que chamou atenção quando ouvi minhas primeiras bandas e até hoje, quando vejo uma banda mod, seja nova ou antiga, tanto na sonoridade que remete ao rhythm and blues e aos primeiros anos da Motown, com uma pegada mais rock'n roll, mais pesado; quanto a estética do terninho e gravata e cabelo, é uma coisa que me chama atenção, porque é elegante e dentro do meu trabalho tanto com a Cachorro Grande quanto o solo, eu também procuro manter essa estética mod. A filosofia mod é muito boa também, seja na influência da black music americana dos anos 60, estourar as guitarras durante os shows, seja na animação das festas e fazer um show energético.
Eu adoraria que tivesse uma banda nova, internacional, que estourasse numa pegada The Jam, The Who e Small Faces. Mas já que não tem, eu mesmo vou fazer isso.
Tem uma clara diferença entre o primeiro e o segundo disco. Por exemplo, a inclusão do piano e de alguns instrumentos de sopro, além das composições. Você acha que no próximo disco, é possível uma evolução maior ainda?
E começar a tocar violino, tromba? (risos). O repertório que eu tenho até agora do terceiro disco, que inclusive, pode mudar, mas que eu já fechei 10 músicas, traz letras que falam muito desse período que estou vivendo e das pessoas que estavam a minha volta e não estão mais e as pessoas novas que chegaram. Ele será bem diferente dos outros dois discos, com uma pegada mais pop, mas também tem bastante influência de coisas que nunca deixam de me influenciar, como The Kinks e uma roupagem mais moderna, sendo um pouco mais fácil de digerir e ouvir, lógico que qualquer coisa é mais fácil de ouvir que uma disco de 1h30, que é o Chumbo & Pluma. (risos)
Como foi conhecer o The Who?
A gente conheceu o Roger Daltrey, em uma festa que ele estava lançando uma champagne, num evento beneficente para as crianças com câncer na Inglaterra, o Teenage Cancer Trust. Foi bem rápido, mas deu pra tirar uma foto, só de poder vê-lo de perto foi demais! E o Pete, eu conheci depois do show do The Who, eu consegui um backstage pass, eu e os guris da Cachorro entramos e estava rolando uma festinha e daí vimos que não tinha ninguém lá. Então fui fumar um cigarro sozinho, do lado de fora, encostei num carro e justamente em minha direção veio quem? Papai, meu ídolo, Pete Townshend! Ele me pediu licença para entrar e eu não deixei, sem antes dele conversar um pouco comigo. Mas enquanto estava conversando com ele, os guris da Cachorro perceberam e vieram correndo, e o Pete assim que viu, resolveu ir embora.
E a abertura do show dos Rolling Stones em Porto Alegre?
Foi o sonho da vida, foi a mesma coisa de colocar a criança na Disneylândia mil vezes. Foi lindo porque pouca coisa foi linda assim, como os dias que antecederam, receber a notícia, todo o processo foi muito feliz. O dia do show foi muito especial, todos os nossos amigos ali presentes, o carinho do público gritando o nome da banda, o show em si, tudo foi muito bom. Principalmente o fato do empresário ter levado a gente pra conhecê-los e poder ter ficado 15 minutos com eles, do mesmo jeito que vocês estão aqui comigo. E foi muito doido porque assim que eles saíram da sala que estavam com a gente, foram direto para o show e não deu 5 minutos, já estavam tocando Jumpin' Jack Flash. É o tipo de coisa que vai ficar marcada pro resto da vida porque foi uma espécie de prêmio por todo o esforço que a gente fez nesses 18 anos.
Qual a sensação de tocar de novo no CCSP após 1 ano de lançamento do disco?
Lançamos ano passado e foi tão bonito, conseguimos fazer o que eu queria, o show acústico e dando prioridade para o Pluma, porque tinha piano e foi bem legal. Dessa vez, como o tempo é menor, resolvi dar prioridade para o lado Chumbo e tocar mais rock 'n' roll. Aqui no CCSP é como se fosse uma casa, tocava com a Cachorro Grande desde que nos mudamos para São Paulo, todo ano rolavam duas datas, com som legal, galera legal, lugar perto para todo mundo assistir. Dentro de São Paulo é um dos lugares - se não for o lugar - que mais gosto de tocar.