Foi entre 1967 e 68 que Caetano Veloso, Tom Zé, Gilberto Gil, Mutantes e outros músicos revolucionaram o jeito de fazer música, juntamente ao maestro Rogério Duprat.
A ruptura com o modelo tradicional da MPB ao adicionar rock, guitarras elétricas e o psicodelismo às músicas aconteceu no famoso III Festival de MPB da TV Record em 67. As apresentações que ocorreram no dia da final, consagrou e inaugurou o movimento que mais tarde ganharia o nome de Tropicália. Além de vaiados, tomates e ovos foram jogados durante as performances de alguns participantes que realizaram e concordavam com essa transformação na música. Mal sabia o público que estava presenciando uma renovação na cultura nacional.
O Tropicalismo ganhou suas bases com as músicas “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, acompanhado dos Beat Boys, e “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, acompanhado de Os Mutantes, que não ganharam o festival aquele ano, mas com certeza ganharam fãs que permanecem até hoje.
No último sábado, o festival João Rock decidiu comemorar os 50 anos do Tropicalismo e não há ninguém melhor para reviver essas memórias além dos próprios músicos. Mutantes, Gil, Caetano e Tom Zé comandaram as apresentações do Palco Brasil durante a tarde de sábado, para diversas gerações que se animaram com os sucessos da época e atuais dos cantores. Houve uma conversação entre o momento político de hoje e o de 50 anos atrás, e Sérgio Dias e Tom Zé não deixaram barato e mostraram sua indignação com o governo.
Os Mutantes
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Foto: Roberto Galhardo - Terra |
As 17h, Sérgio Dias acompanhado por Carly Briant, Esmeria Bulgari, Vinicius Junqueira, Henrique Peters e Claudio Tchernev, iniciaram as atividades do palco. A banda faz poucas apresentações no Brasil e é sempre um grande oportunidade vê-los ao vivo, seja pelos sucessos da carreira, seja pela repaginação da banda, que carrega tranquilamente o título de mutantes.
Sérgio, um pouco mais falante que a última apresentação de São Paulo, começou conversando com o público e explicando o porquê de estar usando um chapéu branco e apresentando a banda. Tecnicolor abriu a explosão de sentimentos que foi essa performance da banda no festival. Do material novo, a banda trouxe Time and Space. El Justiciero atacou o presidente Temer, o governo no geral e ainda mencionou as dificuldades que o povo passa, sendo aclamado pelo público.
Top Top, A Minha Menina e Jardim Elétrico agitaram o público que foi pego desprevenido logo em seguida, por Balada do Louco, que foi cantada por todos, fazendo alguns se emocionarem ou se arrepiarem. Ando Meio Desligado, A Hora e a Vez do Cabelo Nascer e Panis et Circenses marcaram presença no setlist, sendo que a última música foi recebida aos gritos pelos fãs, provavelmente por ser uma das mais conhecidas. A maior surpresa do show, foi o final, quando Sérgio anunciou Baby e dedicou a Caetano Veloso.
Refavela 40
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Foto: Roberto Galhardo - Terra |
O Refavela foi lançado em 1977 por Gilberto Gil. A ideia veio quando o artista viajou à Nigéria e ele conseguiu unir várias vertentes da música negra com o pop. O afrobeat do nigeriano Fela Kuti (1938 – 1997) era o ponto matricial que interligava a então renovada juju music da África com a batida funk do black Rio de Janeiro, com as levadas afro-brasileiras dos sons da Bahia e com o reggae feito na Jamaica no tom de Bob Marley (1945 – 1981).
O projeto do Refavela 40 surgiu com Bem Gil e sua predileção pelo disco do pai. E o time escolhido para a apresentação desse último sábado foi o seguinte: Bem Gil (guitarra), Thiagô de Oliveira (saxofone), Thomas Harres (percussão), Maestrinho (voz/sanfona), Bruno Di Lullo (baixo), Mateus Aleluia Filho (trompete), Chiara Civello (piano), Rafael Rocha (bateria) e ainda contou com Dom (filho de Bem Gil), Nara Gil (sua irmã) e Ana Cláudia Lomelino (sua esposa) no backing vocal.
E as participações foram para lá de especiais: Lucinha Turnbull, Anelis Assumpção, Moreno Veloso e o próprio Gilberto Gil.
O show começou com Maestrinho puxando a celebração do Ilê Ayê com Que Bloco é Esse?, sendo recepcionado de maneira calorosa pelo público. Aqui e Agora veio em um acompanhamento incrível entre a italiana Chiara, a sanfona de Maestrinho e a voz potente de Moreno Veloso. Samba do Avião ganhou um charme especial com o sotaque de Chiara.
Two Naira Fifty Kobo veio acompanhada por Xamegô (Luiz Gonzaga), com Maestrinho, Moreno e Chiara dançando no palco, fazendo uma verdadeira festa e saudação à música. Balafon contou com Lucinha Turnbull que participou da gravação original do Refavela. Já para a segunda participação da noite, Anelis Assumpção (filha de Itamar Assumpção), veio para cantar Tristeza Não, música de seu pai. No Norte da Saudade, Anelis dividiu o microfone com Lucinha, onde brilharam juntas. Em Era Nova, Chiara prendeu a atenção de todos com seu piano, e dividiu o vocal com Anelis.
Gilberto Gil surgiu no palco, sendo ovacionado pelo público em Jamming (Bob Marley), que começou com Anelis, sendo sua última participação no show. Gil continuou o show com um entusiasmo fantástico e seguiu para Patuscada de Gandhi, contando com muita participação do público. Sandra, foi cantada em parceria com Moreno Veloso e teve a citação de Arrivederci. Já em Refavela, Gil pegou sua guitarra para cantar a música-título da festa. Na reta final do show, Gil fez um medley entre No Woman No Cry e Three Little Birds e contou com a ajuda de Lucinha, e encerrou a apresentação com Babá Alapalá, sendo muito aplaudido e recebendo pedidos de bis, o que não foi possível devido o horário fechado do festival.
Ofertório
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Foto: Roberto Galhardo - Terra |
O show de Caetano Veloso com Moreno Veloso, Tom Veloso e Zeca Veloso, mostra o quão lindo, poético e musical pode ser a união de pai e filhos. Cumplicidade e risos marcam presença nessa turnê, chamada de Ofertório - música que foi criada para a missa de 90 anos da sua mãe. A turnê, além de trazer as lindas composições de Caetano e seus filhos, assim como a estreia de Zeca Veloso em um festival, serve como "desculpa" para que os filhos fiquem por perto.
Os quatro estavam sentados e com violões, evitando o cunho político que algumas apresentações tomaram ao longo do dia e focaram em suas canções e no entretenimento. Alegria, Alegria iniciou o espetáculo que pareceu durar mais que uma hora. Era incrível o quão relaxados estavam os músicos e - desculpem por mencionar o óbvio -, a semelhança e qualidade da voz de Moreno, Tom e Zeca com a voz de seu pai. O show seguiu a risca da tranquilidade e sossego, mas isso não evitou cantorias ou danças durante performance. O Seu Amor foi cantada pelos quatros em uníssono, mostrando a harmonia deles e Boas Vindas, animando um pouco o público, saudando a vida.
Zeca fez sua estreia com a música Todo Homem, deixando o pai orgulhoso e a plateia boquiaberta com seu talento ao teclado. Os sucessos Genipapo Absoluto, Um Passo a Frente, A Tua Presença Morena, Trem das Cores e Um Só Lugar marcaram presença no setlist. Um dos pontos altos da apresentação foi o funk intelectual, Alexandrino, que fez muitos dançarem e aplaudirem Tom por arriscar passos na frente do palco, arrancando risadas dos irmãos.
Oração ao Tempo acalmou um pouco os ânimos, e veio seguida de Alguém Cantando e Ofertório, música que dá nome a turnê e Caetano sentiu a necessidade de explicar: "Eu não sou religioso, mas meus filhos são. Zeca é cristão, Moreno é macumbeiro. Mesmo assim, compus um tema religioso para minha mãe, como se ela estivesse falando.". O público permaneceu em silêncio, demonstrando respeito ao momento.
Em contradição, Reconvexo veio animando o público, que sabia cada sílaba da música, guiando para o final do show. Moreno toma a frente da apresentação, explicando: "Meu pai pediu para que eu aprendesse uma música dele mas isso não faz sentido nenhum, porque ele tá aqui do meu lado, mas tudo bem... a música é fofinha, eu garanto", assim, Leãozinho tomou conta do público e foi acompanhada pelo assovio de Caetano.
Gente, foi muito bem recebida e foi exaltada pelo público durante a segunda parte da canção: Gente é pra brilhar / Não pra morrer de fome. Indiretamente e talvez, inconscientemente, um protesto foi feito. Um Canto de Afoxé foi a primeira parceria entre Moreno, que fez a letra e Caetano, que fez a música. Em Força Estranha, os filhos tomaram conta de boa parte do vocal e em How Beautiful Could a Being Be, um samba de roda, presente de Moreno para o pai, foi o melhor jeito para encerrar o show, já que Caetano se animou e sambou com Moreno, deixando o público agitadíssimo e com sensação de quero mais.
Tom Zé
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Foto: Divulgação/João Rock |
"O Jarbas traz dois furos assim, pra você ligar a tomada. Então, Jarbas Mariz, a voz que sustenta esse show! Vamos tomando conta, porque vocês vão fazer várias coisas depois. Agora, o Daniel, através da tomada do Jarbas, ele tem aquele buraco de ligar a tomada, então o Daniel Maia vai vibrar através dele. Agora os coros de Rogério, tem vários lugares para atingir vocês: os tambores médios atendem a região do estômago, os tambores graves atendem a região do baixo ventre e as coisas mais agudas atendem ao coração. Então, Rogério Bastos, na bateria! Cristina Carneiro no teclado faz a nossa cabeça voar! Agora, só para mostrar a responsabilidade que temos, precisa de quem segura o chão pra gente, Felipe Alves!"
Foi assim, explicando o papel de cada um, da maneira que só Tom Zé - que usava uma roupa branca com manchas de tinta de várias cores - poderia fazer, que ele apresentou a banda e começou o show catártico e performático que encerrou as atividades do Palco Brasil. Sabor de Burrice foi a responsável para demonstrar a responsabilidade que a banda e o público tinham com o país todo. Para convocar todas as sensibilidades e testar a inteligência do público, foi a vez de Nave Maria.
Logo foi a vez de 2001, canção que Tom e Rita Lee compuseram em 1968 e que Tom fez questão de que o público participasse, andando de um lado para o outro com o microfone, incentivando a todos que estavam na frente cantarem. Após a canção, percebeu o som vindo do outro palco e pediu para que todos gritassem mais alto, que foi prontamente atendido. Depois, pediu para que quem estivesse na parte mais afastada do palco participasse também, porque não havia motivo de favoritismo com o pessoal da frente só porque chegaram antes.
Made in Brazil, outra música da época da Tropicália também marcou presença e Tom terminou a música falando: "Ordem e progresso? Ordem e progresso é uma porra! Isso é ordem e regresso! Isso é ordem e sacanagem!", e foi muito aplaudido. No auge de seus 81 anos, Tom Zé continua com a mesma energia, agitando todo mundo e faz shows conscientes e racionais. Pedindo para que fingissem que a banda era alienada, Fliperama veio toda desconstruída do jeito dela.
O sucesso Tô foi cantada em uníssono pelo público, com diversas gerações se identificando com os versos. Não Tenha Ódio no Verão acabou virando Não Tenha Ódio em Ribeirão, ideia que a banda teve no caminho para o festival. Voltando para a política, foi a vez de Esquerda, Grana e Direita, que ficou entre a música e versos falados.
Antes de continuar com o show, Tom Zé interrompeu para falar que agora seria vez de música intelectual com pós graduação: Ô, Cadê Maria?, música rápida, feita com a decomposição da frase. Para Tom, música intelectual tem que surpreender de qualquer jeito, até pelo tamanho.
Augusta, Angélica e Consolação veio para unir o público novamente, para todos cantarem juntos. Jimmy, Renda-se, Moeda Falsa e Xique-Xique fizeram parte da reta final do show, que foi fechado com Ogodô Ano 2000 e Tom Zé vestindo uma calcinha vermelha de renda, mostrando que feminino e masculino são diferentes.
Linda! Parabéns pela matéria.
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