Resenha do filme "Eu, Tonya"

Eu, Tonya – Dir: Craig Gillespie  -  por Pedro Mauro

Contar uma história biográfica tem se mostrado um desafio cinematográfico. Os roteiros costumam ficar entre duas vertentes. Uma história batida, com aquele começo meio e fim de uma personalidade relevante, que na maioria das vezes é retratado com muito heroísmo, perfeição e moralismo, ou então o filme o trata mais como um ser humano vulnerável, assim como o filme, que muitas vezes assume um grande risco ao não endeusar seu protagonista 

A beleza neste filme, portanto, está justamente em não colocar a protagonista num pedestal e sim, em tratá-la como mais um elemento narrativo na história. Aqui, Margot Robbie (Lobo de Wall Street e Esquadrão Suicida) encarna Tonya Harding, fenômeno da patinação feminina nas décadas de 80 e 90. O filme tem uma linguagem que mistura documentário fictício com a cinebiografia em sua essência. A cada momento que o filme nos apresenta, temos um trecho desse documentário com os personagens justificando suas ações e suas escolhas dando não apenas uma beleza na narrativa, mas também afirmando que tudo aquilo que estamos vendo de fato aconteceu a partir de uma fonte incontestável. Provavelmente porque os acontecimentos são tão bizarros que talvez não acreditássemos nele como filme.

Tonya cresceu sob uma educação violenta e abusiva de sua mãe, vivida por uma implacável Allison Janey. Sendo assim, 
Tonya cresce com uma personalidade agressiva, forte e imperativa e o filme faz questão de mostrar o quanto esse não era o perfil das patinadoras de gelo. Tonya também é vitima do processo extremamente rigoroso dos juízes das competições que buscam a patinadora com a imagem de “a boa menina de uma ótima família”, requisito esse que não faz parte da realidade de Tonya.   

Parte da beleza do filme também está em não focar a narrativa exclusivamente em Tonya. Na medida e na hora certa vemos muito como a carreira de Tonya tomou um rumo diferente em meio a rivalidade com a patinadora Nancy Kerrigan (Caitlin Carver). É também no meio dessa confusão que vemos as decisões tragicômicas tomas por Jeff (Sebastian Stan), marido de Tonya que ora faz de tudo por sua amada, ora é tão abusivo ou mais que LaVona (mãe de Tonya). O título do filme não é tão egocêntrico com sua protagonista quanto sugere, mas transmite perfeitamente bem a personalidade forte e intimidante dela.

Tonya é quase tão ferramenta narrativa quanto seus coadjuvantes, o que nos dá a oportunidade de saber mais de um lado das tramas que envolvem o filme. Tecnicamente o filme também é um vislumbre. Um ritmo de narrativa tão envolvente quanto a própria trama, trilhas sonoras muito bem pontuadas, incluindo as músicas que a própria Tonya escolhia nas competições, indo do classic rock do ZZ Top que define muito bem o lado absolutamente “redneck” de Tonya, até a música clássica simbolizando um certo amadurecimento da personagem. 

O longa conta com uma tríade de elementos muito inteligentemente montada. Em primeiro lugar, o já comentado aspecto de documentário, que dialoga com narrações em off da dramaturgia e o 3º elemento, a quebra da 4ª parede, isto é, quando no meio dessa dramaturgia, o personagem para o que está fazendo, olha para a câmera e fala com o público. Essa tríade, unida a um excelente elenco, direção e roteiro resulta em Eu, Tonya. Vale muito observar que em quase uma década de carreira e apenas 27 anos, é o 3o grande filme da australiana Margot e sua primeira indicação a melhor atriz para o Oscar 2018. Mas, fanatismos à parte, Robbie há muito se mostra uma atriz talentosa e diria que ela tem boas chances esse ano, levando em conta a tendência da Academia em premiar atrizes mais novas, talvez afim de renovar nossos ídolos. Mas ainda assim, Robbie compete com Frances McDormand (3 Anúncios para um Crime) que tem seu mérito também.

Dica de utilidade pública. Espere os créditos quando o filme acabar. Além de imagens de arquivo da verdadeira Tonya girando para lá e para cá, que é muito belo de se ver, ainda somos apresentados à trechos de entrevistas reais com aquelas pessoas que vimos no filme e vale à pena ver a fidelidade da caracterização dos atores, do cenário, figurino. A afirmação definitiva da verossimilidade do filme. Obra tão pura, real e honesta como sua protagonista.



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