Dois marcos históricos da indústria fonográfica brasileira surgiram em solo fluminense. Na Tijuca, em 1912, foi instalada a Odeon Talking Machine, a primeira fábrica de discos do país. Em Areia Branca, bairro no município de Belford Roxo, funciona a Polysom — a única empresa hoje dedicada à produção de discos de vinil na América Latina e uma das 35 derradeiras unidades do gênero em atividade no planeta. Essa avis rara na Baixada entregou 100.000 cópias no ano passado e deve dobrar a produção ao longo de 2015. Nada mau para um produto que, na arqueologia do mercado, jaz em algum lugar abaixo do CD, por sua vez superado pelos downloads digitais, arquivos esses que já sentem o peso avassalador dos serviços de streaming. Indiferente a novas tecnologias e ao nome delas em inglês, a Polysom ganhou uma quarta prensa em junho e trabalha a pleno vapor, aos cuidados de dezessete funcionários.
Disponível no site da companhia, o catálogo oferece de reedições de preciosidades, como o disquinho com quatro faixas Gilberto Gil — Sua Música, Sua Interpretação, obra original de 1963 (29,90 reais), ao LP do recém-lançado Estratosférica, de Gal Costa (79,90 reais). Entre um e outro, cabem de Jorge Ben Jor (Samba Esquema Novo, histórico álbum de 1963) a Naldo Benny, Titãs (o último disco, Nheengatu) e Maria Gadú (o também novo Guelã). Todos pretos com um buraco no meio. Um exemplar de Jorge Ben, lançado em 1969, é disputado a tapa nos sebos e pode custar mais de 400 reais. Na linha de montagem de Areia Branca, uma edição fica pronta ainda em setembro e sai por cerca de 100 reais. A Polysom abastece endereços de prestígio internacional, como a Dusty Grooves, loja especializada de Chicago, nos Estados Unidos. Outras encomendas partem dos vizinhos Argentina, Chile e Paraguai, além de virem da Bélgica, Espanha, França e Inglaterra. Por aqui, a fábrica enche as prateleiras de estabelecimentos como a Tracks, na Gávea. Dono do negócio, Heitor Trengrouse revela que os LPs são sua principal fonte de renda e chegam a responder por 40% do faturamento. “As pessoas pagam caro com mais facilidade pelo vinil”, diz.
Esse fetiche em torno do LP, item ao mesmo tempo obsoleto e cultuado, chamou a atenção de João Augusto. Executivo com mais de quatro décadas de experiência no ramo e com passagem pela vice-presidência da gravadora EMI, ele acompanhou a carreira de nomes como Caetano Veloso, Zizi Possi, Marisa Monte e Mamonas Assassinas, entre outros. Já estava à frente do próprio selo, Deck, quando comprou a velha fábrica e a reabriu, em 2009. João Augusto, pessoalmente, formou a equipe e supervisionou a montagem do maquinário, antes de transferir o comando do dia a dia para a filha Lígia.
Acalentado por músicos independentes, colecionadores e comerciantes especializados, o vinil é um produto de nicho. Não voltará aos tempos de vendagens contadas aos milhões, isso é certo. No entanto, alguns números permitem que se enxerguem como apostas razoáveis os investimentos no setor. Nos Estados Unidos, serviços digitais de música movimentaram mais de 4 bilhões de dólares em 2014, ante os 315 milhões de dólares envolvidos na venda de LPs. A boa-nova: essa cifra registrada com as bolachas à moda antiga representa um aumento de quase 50% em relação ao ano anterior. “O vinil é o objeto perfeito para carregar música”, define Dodô Azevedo. Artista múltiplo, DJ, escritor e cineasta, ele encomendou à Polysom 2.000 unidades de seu disco 12 Cidades e pretende lançá-lo em novembro. Sua produção indie vai disputar a clientela com outras tão distintas quanto o álbum duplo Funky Funky Boom Boom, do grupo pop Jota Quest, Ferro na Boneca, clássico dos Novos Baianos, e um compacto do conjunto paulistano Vespas Mandarinas. Haja vitrola.
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