No dia 10 de Abril de 1970 o sonho estava acabando para toda uma geração fã do que se tornou a maior de banda de todos e também foi a responsável pela maior revolução musical, de estilo e da atitude dos jovens dos anos 60. Há exatos 45
anos, Paul McCartney anunciava ao mundo o fim da banda fundada por John
Lennon. A partir daí, cada integrante seguia sua vida separadamente, com uma carreira solo.
A realidade é que apesar do anúncio ter sido em 1970, o grupo já não estava mais junto desde as gravações do disco Abbey Road (1969). Os quatro já estavam se dedicando a
projetos pessoais, mas ninguém se atrevia a anunciar ao mundo a
separação. — Não deixei os Beatles. Os beatles deixaram os Beatles, mas
ninguém quer ser o que diz que a festa terminou — afirma Paul na
autobiografia do grupo, Anthology (lançado entre 1994 e 1996).
Junto com o anúncio do fim da banda, Paul McCartney também anunciava o seu primeiro disco solo, intitulado McCartney e queria evitar entrevistas que seria perguntado sobre a situação dos Fab Four. O resultado foi que Paul decidiu que Derek Taylor, assessor de
imprensa do grupo, prepararia um questionário, que seria respondido por
ele distribuído junto com seu disco. — Uma das perguntas foi: podemos
dizer que os Beatles se separaram? Respondi: Sim. Não voltaremos a tocar
juntos — lembra. Paul estava furioso com o trabalho feito pelo produtor
Phil Spector com as fitas que o grupo tinha deixado paradas no ano
anterior e que foram retrabalhadas e lançadas no álbum Let it Be. O
trabalho de Spector foi aprovado por John e George Harrison, que não
queriam que Paul lançasse seu álbum pela Apple Records — o selo criado
pelo grupo — antes que Let it Be e o disco de estreia de Ringo Starr
começassem a ser vendidos. — Estava tão cansado de tudo que disse:
'Quero sair do selo'. A Apple Records era um lindo sonho, mas pensei:
'Quero deixá-lo'. George me disse por telefone: 'Você vai ficar no selo!
Hare Krishna!' e desligou — lembra Paul. Paul afirma que o grupo chegou
ao seu fim "quando John disse: "estou saindo! Quero o divórcio".
Paul escreveu longas cartas a John, implorando para deixar a empresa dos
Beatles, mas Lennon respondia em apenas uma ou duas linhas, sem tomar
partido no caso (Klein mais tarde admitiria que ele havia sido pego
totalmente desprevenido). Os outros três deram a mesma resposta no
tribunal: não havia necessidade de encerrar o grupo – as coisas não
estavam tão ruins e eles ainda podiam fazer música juntos. O único
problema era a mania que Paul tinha de querer controlar tudo. O juiz
decidiu que o pedido de dissolução feito por McCartney era válido,
mantendo os lucros dos Beatles sob custódia até que todos os detalhes da
separação – o divórcio que Lennon queria – pudessem ser determinados.
Em 1973, o contrato dos Beatles remanescentes com Klein terminou e não
foi renovado; eles tinham se cansado do empresário.
Logo, George, John e
Ringo viriam a processá-lo (Lennon admitiria em uma entrevista que
talvez McCartney estivesse certo a respeito de Klein), e em outro
processo relacionado à Apple Klein seria sentenciado a dois meses de
prisão por fraude. Quando o problema com Klein foi resolvido, Harrison
disse que não se importaria em reunir os Beatles. Quando chegou o
momento de o quarteto se juntar para assinar o documento de dissolução
da parceria, Lennon se recusou a comparecer – ele temia ficar com menos
dinheiro do que os outros, e alguém próximo a ele disse que o músico
entrou em pânico, porque aquilo significava que os Beatles realmente
haviam terminado. Talvez a intenção dele nunca tivesse sido acabar com o
grupo, no fim das contas. / Apesar disso, foram seus caprichos e raiva
que acabaram por destruir a banda.
John Lennon – que até Abbey Road e Let It Be havia escrito a maior parte
das obras-primas dos Beatles e definido a profundidade do trabalho da
banda – não suportava mais dividir seu brilhantismo com Paul McCartney.
Os Beatles seriam capazes de sobreviver a qualquer tensão que Yoko
pudesse ter trazido. Sobreviveram a Klein. Mas os Beatles não
conseguiram sobreviver a Lennon.
Em seus últimos momentos de vida, os Beatles protagonizaram uma das mais
misteriosas e complicadas histórias de fim de romance do século 20. E
também a mais triste delas. Os Beatles não fizeram apenas música – eles
influenciaram sua época com o mesmo peso de qualquer força política e
com resultados mais benéficos que a maior parte delas. Por que, então,
os Beatles se separaram? Muitos culpam as maquinações de Yoko Ono,
lendária paixão de John Lennon, e a maléfica malícia de Allen Klein,
então empresário da banda, queridinho de Lennon e desafeto de McCartney.
Mas não era tão simples. “Não acho que alguém seria capaz de abalar
quatro pessoas fortes como eles”, declarou Yoko mais tarde, “mesmo que
tentasse. Acredito que outra coisa aconteceu. Tenho certeza de que não
foi nenhuma força externa”.
Em 1980, Paul McCartney trabalhava em
seu álbum "Tug of war". Durante a gravação - que marcava o seu
reencontro com George Martin onze anos após "Abbey Road" - no dia 8 de
dezembro, John Lennon foi baleado por Mark Chapman em Nova York. A
faixa-título do disco de McCartney dizia o seguinte: "Esperávamos mais /
Mas, de um jeito ou de outro, tentávamos superar um ao outro num cabo
de guerra". Além da guerra de egos entre os dois, outros fatores deram
cabo à banda que revolucionou a história da música. A morte do
empresário Brian Epstein, em agosto de 67, foi um deles. "Ele era um de
nós", disse Lennon ao "New Musical Express".
"A morte de Epstein deixou os rapazes
meio sem pai. Acho que isso contribuiu para John entrar em um estado de
desamparo que possibilitou que Yoko dominasse o pedaço. A relação entre o
Paul e o John também já estava desgastada. Eles eram muito amigos, mas a
amizade azedou por causa da vaidade pessoal e do dinheiro", afirma
Elaine Gomes, autora do livro "The Beatles - Letras e canções
comentadas".
A guerra de egos já acontecia, pelo
menos, desde 1968. Nas gravações do Álbum Branco (ou o "Álbum tenso",
segundo McCartney), cada Beatle tratava o colega como músico de apoio. O
estopim aconteceu no estúdio de Twickenham (período que George Harrison
chamou de "o inverno do descontentamento") para a gravação do filme Get Back, no ano seguinte. Ao invés de canções brotando como mágica,
brigas eram detonadas a todo instante. "Quase todas foram iniciadas por
McCartney, que continuava a agir como se estivesse tentando roteirizar o
filme, ao levantar questões como a mudança da visão de mundo dos
Beatles desde a morte de Epstein", escreveu Jonathan Gold em "Can't Buy
Me Love".
Decepcionados com "Get back", os
Beatles voltaram aos estúdios. Abbey Road, trazia a banda como nos
velhos tempos em que tocava nas pocilgas de Hamburgo. John, Paul e
George castigaram suas guitarras, enquanto a Ringo foi concedido o
direito de fazer o seu primeiro solo de bateria em uma gravação dos
Beatles. Mas tudo terminou por aqui. "I me mine", última faixa gravada
pelos Beatles,nem contou com a presença de Lennon.
A morte de Epstein já havia esquentado
o clima antes. "Não tinha ilusões quanto ao fato de que só sabíamos
fazer música e nada mais", disse Lennon a Jann Wenner, autor do livro
"Lennon remembers". Após a perda, os Beatles ainda fundaram a Apple,
mistura de gravadora e produtora de filmes. Preocupado com as finanças,
McCartney contratou o sogro, Lee Eastman. Lennon, Ringo e George ficaram
com Allen Klein, empresário não muito confiável e que cuidava da
carreira dos Rolling Stones.
O próprio John Lennon reconheceu, na
biografia "John Lennon - A vida", de Philip Norman, a importância de
Yoko no episódio. "Quando conheci Yoko foi como quando a gente encontra a
sua primeira mulher e abandona os caras do bar. Assim que a encontrei,
foi o fim dos rapazes. Mas acontece que os rapazes eram muito
conhecidos, não eram apenas os caras do bar." Bob Spitz, autor de "The
Beatles - A biografia", detalhou a presença de Yoko no seio da banda.
"Entre a gravação de uma música e outra, John ficava cochichando com
Yoko e perdia o momento em que devia entrar em uma música." Por causa da
insuportável presença da mulher de Lennon no estúdio ele e George
Harrison sairiam literalmente no tapa durante as intermináveis gravações
de Let It Be.
Após o fim da banda, Lennon, Harrison e Starr tocaram juntos algumas vezes ao decorrer dos anos. Quando Eric Clapton casou-se com a ex-esposa de Harrison, Pattie Boyd,
Paul, George e Ringo tocaram ao vivo por alguns minutos. Uma vez, John e
Paul também tocaram juntos, em 1974, no estúdio de alguém em Los
Angeles. E Paul teve papel importante na reconciliação de John e Yoko
quando os dois se separaram. Lennon e McCartney, a dupla de compositores
mais importante da história, reatou sua amizade no decorrer dos anos,
embora tenham permanecido distantes e circunspectos e nunca tenham
voltado a escrever juntos.
Lennon morreu em 1980. Paul, George e Ringo se reuniram para o projeto Anthology, onde junto com faixas inacabadas de John Lennon, gravaram Free As A Bird e Real Love. Harrison morreu de câncer do pulmão em 2001. Paul McCartney, com a ajuda
de Lee e John Eastman, se tornou o homem mais rico do show business, e
Linda McCartney morreu de câncer de mama em 1998.
Tudo isso lembra uma
história de amor? O amor perde todo o seu valor quando tudo termina?
Talvez sim, embora finais não apaguem a história; em vez disso, a
concluem. A história dos Beatles sempre foi, de certa forma, maior que
os próprios Beatles, tanto a banda quanto os indivíduos que a formaram:
foi a história de uma época, de uma geração que buscava novas
possibilidades. Foi a história do que acontece quando você encontra
essas possibilidades, e o que acontece quando suas melhores esperanças
vão por água abaixo. Sim, foi uma história de amor – e o amor quase
nunca é uma bênção simples. Porque, por mais que os Beatles possam ter
amado o que faziam juntos, o mundo em volta deles os amava ainda mais.
Foi esse amor que, mais do que qualquer outra coisa, exaltou os Beatles e
os acorrentou juntos por tanto tempo. Algo que, por fim, nenhum deles
conseguiu suportar. John Lennon, em particular, sentia que precisava
acabar com o romance, enquanto Paul McCartney em especial odiava a ideia
de vê-lo despedaçado. E, uma vez que estava feito, estava feito. Tudo o
que eles criaram – cada uma das maravilhas – ainda reverbera, mas os
corações responsáveis por tudo aquilo também foram responsáveis pelo seu
fim, e nunca se recuperaram totalmente da experiência. “Foi há tanto
tempo”, George Harrison declarou anos mais tarde. “Às vezes, me pergunto
se eu estava mesmo lá ou se foi tudo um sonho.” Eles estavam lá e foi
tudo um sonho. Um sonho que nos elevou, que partiu nossos corações, que
ainda perdura e que provavelmente jamais será igualado.
Trechos retirados do Baú do Edu e Lucinha Zanneti também com partes minhas, mas os dois links são tão lindos que não tinha muito o que acrescentar.