Existem algumas coisas em que Ringo Starr acredita piamente. “Se você está em uma ilha deserta e há cocos nela, consegue sobreviver.” Ele não consegue responder a determinadas perguntas. Taxman foi gravada em quatro ou oito canais? “Pergunte a quem sabe. Só sei que estou nela.” E há momentos em que Ringo pode se mostrar bastante mordaz. “Jantei com ele recentemente em Los Angeles, com Dave Grohl e nossas esposas”, conta Paul McCartney. “Sei que Ringo está sóbrio há anos, então brinquei: ‘Qual é, Ringo, toma um uísque’. Ele me olhou por um segundo e disse: ‘Por que, para acabar parecido com você?’ Mereci.”
Pense nisso: se você tem entre 20 e 80 anos e alguém menciona Ringo, o que você faz? Se não é Hitler, começa a sorrir. E se você é pai, agradece a Ringo pelos três minutos de serenidade que Yellow Submarine traz a cada moleque chorão de 4 anos. Ele consegue trabalhar alto – batucando ao fundo para John, Paul e George. Consegue trabalhar baixinho – em uma noite de quarta-feira para uma plateia idosa em Fort Pierce, Flórida, tocando Rosanna, do Toto.
Ringo Starr durante show em São Paulo, quando conheci ele, em Fevereiro |
Ringo levará seu show à cidade de Cleveland em 18 de abril para um
tipo diferente de evento, quando será induzido ao Hall da Fama do Rock
and Roll como artista solo. McCartney fará o discurso. Haverá os elogios
de sempre, mas provavelmente pouca conversa sobre Ringo como um artista
torturado, caso de tantos outros homenageados. Esse não é Ringo, mesmo
que ele tenha sobrevivido ao alcoolismo, crescido sem pai nem vaso
sanitário e passado dois anos com tuberculose em um sanatório. “Sempre
achei que tive uma ótima infância”, ele diz com uma risada, quando
relembra o fato de que a mãe pegava dois ônibus e uma balsa pelo rio
Mersey, no norte da Inglaterra, para visitá-lo uma vez por semana.
“Então, um terapeuta me disse: ‘Bom, na verdade, soa como se você
tivesse sido abandonado e morado em uma favela’.” O riso como o melhor
remédio faz sentido para ele.
“Não quero soar piegas, mas todos tivemos uma vida difícil”, diz McCartney. “Todos nós, exceto George, perdemos alguém. Perdi minha mãe aos 14 anos, John perdeu a dele, mas com Ringo foi pior. O pai dele sumiu; ele era tão doente que falaram para a mãe dele que não viveria. Imagine criar sua vida a partir disso, naquele ambiente. Sem família, sem escola. Ele teve de se reinventar. Todos tivemos de formar um escudo, mas Ringo formou o mais forte.”
Parte desse escudo era fazer papel de bobo; outra parte foi a bebida. Isso levou a uma década perdida de festas em Los Angeles, Londres, Monte Carlo. Ele está sóbrio há 26 anos, mas existe uma coisa essencial que o mantém são e jovem: as baquetas e a bateria.
“Toco com qualquer outro músico a noite inteira, mas não consigo fazer isso sozinho”, Ringo me diz enquanto nos dirigimos para o que ele estima ser algo entre o 800º e o 900º show da All Starr Band, em Fort Pierce. “Não vejo alegria em sentar ali sozinho.” Todd Rundgren, amigo e colega de banda, acrescenta: “Ele sempre toca com um segundo baterista. Acho que foi reconfortante nas primeiras turnês solo, mas agora é um hábito”.
Ringo é filho único. Perdeu os dois irmãos postiços – Lennon e Harrison – e seu melhor amigo, o cantor e compositor Harry Nilsson, muito precocemente. Viu a carreira solo ascender incrivelmente – sete participações no Top 10 entre 1971 e 1975 – e depois cair no esquecimento. Agora, atingiu um ritmo confortável em seus anos dourados com uma banda que incluiu de Billy Preston a Levon Helm. E Ringo ainda está aqui, com uma expressão jovial no rosto por ter durado mais que alguns dos melhores amigos dele.
Ringo chega: é pequeno como um jóquei, talvez com 1,65 m e 54 kg. Batemos cotovelos. Brinco que esta deve ser sua milionésima entrevista. Ele sorri. “Talvez a bilionésima. Passei da marca dos milhões nos anos 1960.”
Ele me olha um pouco sem entender (a equipe de Ringo pode não querer sobrecarregá-lo com detalhes; eles insistem que o músico ficaria feliz em bater um papo rápido e pular toda a “chatice” que o processo de uma reportagem de capa envolve). “Diga, por que você está aqui? Você veio para falar comigo por 15 minutos?” Balança a cabeça, para por um momento e faz uma piada: “‘Quinze Minutos no Aeroporto’ – parece o título de um romance”.
Ringo afunda na cadeira e se reanima quando começa a falar sobre a banda. Aponta para um jatinho Gulfstream GIV. “A esta altura, só fazemos isso com luxo – avião particular e os melhores hotéis.” A All Starr Band existe há um quarto de século e, normalmente, Ringo muda a formação a cada ano. Esta formação está junta há três anos. Há uma exigência obrigatória: é preciso ter feito parte de uma banda com ao menos três singles de sucesso. Assim, o baterista consegue aumentar a ilusão de que é apenas mais um e só precisa ser o líder durante um terço do show.
“Toda vez que digo ‘Esta é a última turnê deles’, acaba acrescentando mais shows”, conta Ringo. Alguém entra e diz que o avião está abastecido e pronto para decolar. Ele me agradece por não ter começado com perguntas sobre os Beatles e vai para a sala onde a banda o aguarda.