Capa da nova edição da Rolling Stone Brasil, Ringo Starr diz que os Beatles poderiam ter se reunido


A edição 104 da Rolling Stone Brasil (leia a matéria do site da RSBrasil), que chegou às bancas no dia 15 de abril, traz na capa o beatle Ringo Starr. Em uma entrevista aprofundada e sensível, Ringo fala sobre as mortes de John Lennon e George Harrison, da vida na estrada atualmente, da relação por vezes tumultuada com Paul McCartney e até do que poderia ter ocorrido com o Fab Four caso todos os integrantes estivessem vivos. “A volta dos Beatles teria sido possível”, declara Ringo.


Existem algumas coisas em que Ringo Starr acredita piamente. “Se você está em uma ilha deserta e há cocos nela, consegue sobreviver.” Ele não consegue responder a determinadas perguntas. Taxman foi gravada em quatro ou oito canais? “Pergunte a quem sabe. Só sei que estou nela.” E há momentos em que Ringo pode se mostrar bastante mordaz. “Jantei com ele recentemente em Los Angeles, com Dave Grohl e nossas esposas”, conta Paul McCartney. “Sei que Ringo está sóbrio há anos, então brinquei: ‘Qual é, Ringo, toma um uísque’. Ele me olhou por um segundo e disse: ‘Por que, para acabar parecido com você?’ Mereci.”



O nome verdadeiro dele é Richard Starkey. A esposa, Barbara Bach (os dois estão juntos há 34 anos), o chama de Ritchie. Ele tem 74 anos. É um dos maiores bateristas do rock e, mesmo que não tenha os dons de composição dos outros Beatles, é um dos mais importantes artistas da história da civilização ocidental.

Pense nisso: se você tem entre 20 e 80 anos e alguém menciona Ringo, o que você faz? Se não é Hitler, começa a sorrir. E se você é pai, agradece a Ringo pelos três minutos de serenidade que Yellow Submarine traz a cada moleque chorão de 4 anos. Ele consegue trabalhar alto – batucando ao fundo para John, Paul e George. Consegue trabalhar baixinho – em uma noite de quarta-feira para uma plateia idosa em Fort Pierce, Flórida, tocando Rosanna, do Toto.

Ringo Starr durante show em São Paulo, quando conheci ele, em Fevereiro
Ringo levará seu show à cidade de Cleveland em 18 de abril para um tipo diferente de evento, quando será induzido ao Hall da Fama do Rock and Roll como artista solo. McCartney fará o discurso. Haverá os elogios de sempre, mas provavelmente pouca conversa sobre Ringo como um artista torturado, caso de tantos outros homenageados. Esse não é Ringo, mesmo que ele tenha sobrevivido ao alcoolismo, crescido sem pai nem vaso sanitário e passado dois anos com tuberculose em um sanatório. “Sempre achei que tive uma ótima infância”, ele diz com uma risada, quando relembra o fato de que a mãe pegava dois ônibus e uma balsa pelo rio Mersey, no norte da Inglaterra, para visitá-lo uma vez por semana. “Então, um terapeuta me disse: ‘Bom, na verdade, soa como se você tivesse sido abandonado e morado em uma favela’.” O riso como o melhor remédio faz sentido para ele.
Ringo é magro como o Gollum de O Senhor dos Anéis e parece mais jovem que o filho dele, Zak, que toca bateria no The Who – provavelmente porque a dieta de Zak não consiste apenas de verduras, sucos e batata assada. “Toda vez que vejo Ringo, ele tem cheiro de couve”, brinca Joe Walsh, guitarrista do Eagles e cunhado do ex-beatle.

“Não quero soar piegas, mas todos tivemos uma vida difícil”, diz McCartney. “Todos nós, exceto George, perdemos alguém. Perdi minha mãe aos 14 anos, John perdeu a dele, mas com Ringo foi pior. O pai dele sumiu; ele era tão doente que falaram para a mãe dele que não viveria. Imagine criar sua vida a partir disso, naquele ambiente. Sem família, sem escola. Ele teve de se reinventar. Todos tivemos de formar um escudo, mas Ringo formou o mais forte.”

Parte desse escudo era fazer papel de bobo; outra parte foi a bebida. Isso levou a uma década perdida de festas em Los Angeles, Londres, Monte Carlo. Ele está sóbrio há 26 anos, mas existe uma coisa essencial que o mantém são e jovem: as baquetas e a bateria.
“Toco com qualquer outro músico a noite inteira, mas não consigo fazer isso sozinho”, Ringo me diz enquanto nos dirigimos para o que ele estima ser algo entre o 800º e o 900º show da All Starr Band, em Fort Pierce. “Não vejo alegria em sentar ali sozinho.” Todd Rundgren, amigo e colega de banda, acrescenta: “Ele sempre toca com um segundo baterista. Acho que foi reconfortante nas primeiras turnês solo, mas agora é um hábito”.

Ringo é filho único. Perdeu os dois irmãos postiços – Lennon e Harrison – e seu melhor amigo, o cantor e compositor Harry Nilsson, muito precocemente. Viu a carreira solo ascender incrivelmente – sete participações no Top 10 entre 1971 e 1975 – e depois cair no esquecimento. Agora, atingiu um ritmo confortável em seus anos dourados com uma banda que incluiu de Billy Preston a Levon Helm. E Ringo ainda está aqui, com uma expressão jovial no rosto por ter durado mais que alguns dos melhores amigos dele.



Espontaneamente, três integrantes da atual formação da All Starr Band me dizem a mesma frase com espanto feliz: “Ringo Starr é a porra de um beatle”. Sendo assim, as coisas são feitas de um jeito um pouco diferente. Na ocasião do nosso primeiro encontro, recebo um chamado para conversar rapidamente com Ringo no aeroporto da cidade de Van Nuys, Califórnia, antes de a banda partir para uma turnê que a levaria a Birmingham, Alabama, República Dominicana, Sarasota, Flórida e, recentemente, ao Brasil. Estou esperando no lobby quando recebo uma mensagem de texto urgente do empresário da turnê: “Só um lembrete, Ringo não dá apertos de mão. Cumprimenta com o cotovelo”. É uma questão com germes.

Ringo chega: é pequeno como um jóquei, talvez com 1,65 m e 54 kg. Batemos cotovelos. Brinco que esta deve ser sua milionésima entrevista. Ele sorri. “Talvez a bilionésima. Passei da marca dos milhões nos anos 1960.”

Ele me olha um pouco sem entender (a equipe de Ringo pode não querer sobrecarregá-lo com detalhes; eles insistem que o músico ficaria feliz em bater um papo rápido e pular toda a “chatice” que o processo de uma reportagem de capa envolve). “Diga, por que você está aqui? Você veio para falar comigo por 15 minutos?” Balança a cabeça, para por um momento e faz uma piada: “‘Quinze Minutos no Aeroporto’ – parece o título de um romance”.
Ringo afunda na cadeira e se reanima quando começa a falar sobre a banda. Aponta para um jatinho Gulfstream GIV. “A esta altura, só fazemos isso com luxo – avião particular e os melhores hotéis.” A All Starr Band existe há um quarto de século e, normalmente, Ringo muda a formação a cada ano. Esta formação está junta há três anos. Há uma exigência obrigatória: é preciso ter feito parte de uma banda com ao menos três singles de sucesso. Assim, o baterista consegue aumentar a ilusão de que é apenas mais um e só precisa ser o líder durante um terço do show.

“Toda vez que digo ‘Esta é a última turnê deles’, acaba acrescentando mais shows”, conta Ringo. Alguém entra e diz que o avião está abastecido e pronto para decolar. Ele me agradece por não ter começado com perguntas sobre os Beatles e vai para a sala onde a banda o aguarda.

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