No novo lançamento dos Beatles, nem tudo é novidade
12/19/2013 07:06:00 PM
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Às vésperas de caducar o direito autoral sobre gravações mantidas inéditas por 50 anos, a Apple (a gravadora dos Beatles, não a gigante dos computadores) acaba de disponibilizar, via iTunes, a compilação “The Beatles bootleg recordings 1963”. São 44 músicas registradas na BBC e 15 extraídas de três sessões de gravação nos estúdios de Abbey Road, num total de 59 faixas. De acordo com a legislação europeia, o direito autoral sobre obra comercializada tem validade por 70 anos, quando então se transforma em obra de domínio público. Assim, com o novo lançamento, os Beatles têm os direitos sobre as faixas assegurados por mais 20 anos.
Se para alguns esse lançamento é motivo de celebração, certamente para os fãs mais dedicados do quarteto de Liverpool nem tudo é novidade. Tanto as gravações da BBC quanto boa parte dos registros de Abbey Road já haviam sido exaustivamente pirateadas, sobretudo nas caprichadas séries “The Beatles at the Beeb” e “Ultra rare trax”, surgidas nos anos 1980.
Há, contudo, um sabor especial na audição de uma tomada em estéreo inédita de “Misery”, por exemplo. Além disso, a compilação reúne gravações históricas, realizadas num momento peculiar da trajetória da banda. Em 1963, os Beatles lançaram seus dois primeiros LPs (“Please please me”, em março, e “With The Beatles”, em novembro) e saíram de Liverpool para conquistar todo o Reino Unido. Porém, o mundo só se curvaria ao charme de John, Paul, George e Ringo e se renderia à sua música a partir de 1964.
Dylan na origem da pirataria
Sobre esse antigo conceito de pirataria, é preciso lembrar suas origens. Em meados de 1969, quem visitasse algumas lojas de discos de Los Angeles poderia encontrar, entre os lançamentos, o disco “Great white wonder”, de Bob Dylan. Vinha embalado numa capa simples, que trazia apenas uma foto em preto e branco do rosto do artista, seu nome e o título do disco. Nos sulcos, gravações inéditas extraídas de fontes diversas, como ensaios, registros de estúdio e até mesmo de uma apresentação do cantor num programa de TV. A suposta gravadora, responsável pelo lançamento, atendia pelo nome de TMQ (ou Trade Mark of Quality).
O inusitado lançamento, à revelia do artista e de sua companhia discográfica, a antiga Columbia, tornou-se o primeiro disco “pirata” (ou bootleg, como é chamado em inglês) da era do rock. A novidade fez ruído, e a TMQ, que de boba não tinha nada, seguiu se servindo da realeza do rock, ao enfileirar, na sequência, um LP dos Beatles (“Kum back”) e um dos Rolling Stones, o notório “Liver than you’ll ever be”, que trazia, ainda fresco, um show da turnê que acabara de percorrer os EUA.
A repercussão e a popularidade desses lançamentos, sobretudo do disco ao vivo dos Rolling Stones, apontado com destaque em revistas especializadas, chamou a atenção de sua gravadora, a Decca. A companhia inglesa reagiu e se apressou para colocar nas ruas o disco “Get yer ya-ya’s out! The Rolling Stones in concert”, contendo registros ao vivo da mesma excursão de 1969, com intuito de abafar o lançamento pirata.
O fato é que o mercado para discos ilegais, contendo gravações inéditas ou registros de apresentações ao vivo, ainda que combatido pela indústria da música, floresceu e desde aquela época tem saciado a demanda de fãs e curiosos por esse material. Hoje, com a tecnologia disponível, é quase impossível evitar a enxurrada de gravações ao vivo que são postadas diariamente na internet.
Incapazes de extinguir a pirataria, as grandes gravadoras acabaram por aproveitar o filão. Passaram a vasculhar seus arquivos, em busca de gravações inéditas ou obscuras de seus principais artistas, com intuito de abocanhar parte desse mercado e minimizar o prejuízo provocado pela comercialização dos discos ilegais.
Até os Beatles, tão zelosos com sua estupenda obra, acabaram por autorizar lançamentos contendo gravações inferiores àquelas oficialmente aprovadas e lançadas ao longo de sua carreira. Entre elas, registros ao vivo na rádio BBC e tomadas distintas de faixas previamente editadas, como aparecem na série “Anthology”, de 1996.