“Eu sou muito aberto – eu não quero me deixar entediado.” Epworth era assertivo. Ele murmurou uma batida de rock dizendo que este era o tempo e energia que ele deveria alcançar. “Eu disse ‘Essa é uma boa ideia, vamos ficar animados, não vamos ficar profundos e sérios” diz McCartney. “Então ele correu pra bateria, eu fui para o piano, fizemos várias partes, eu coloquei uns acordes, estruturei um pouco, e começaram a vir as palavras. Normalmente comigo é melodia e letra ao mesmo tempo – eu sigo uma linha de pensamento, e as letras e melodias vêm todas de uma vez só. Mas quando você está improvisando, você não tem palavras, você não sabe do que a música se trata. Você só sabe como ela é e como um vocal poderia soar, então você faz um ‘wada bada bada wado biddo woo’ pra tentar encontrar as palavras que caberiam nessa parte”. Essa sessão rendeu a criação de “Save Us”.
O próximo era o produtor Ethan Johns. “Ele fez os álbuns do Kings of Leon, então eu sabia que havia autenticidade e realismo no que ele faz.” McCartney diz. “Eu levei pra ele a música ‘Hosanna’” – uma proposta de balada acústica experimental – “E eu disse, ‘Eu escrevi essa música.’ Ele disse, ‘Por que você não canta?’ Então eu cantei e disse ‘Devo cantar de novo? Devemos arrumá-la?’ E ele disse ‘Não, ficou lindo do jeito que você fez. Eu acho que isso é o suficiente.’ Eu pensei, ‘Ok, esse é o jeito que ele trabalha: ele vai ser muito cru, vai querer cair fora, não pense muito sobre isso, apenas fale.” Depois disso, vieram as audições com Mark Ronson, cujo trabalho com Amy Winehouse McCartney admira, e que foi DJ no seu casamento com Nancy Shevell, e Giles Martin, filho do produtor de longa data dos Beatles, George Martin, que trabalhou com McCartney em 2006 com os remixes das músicas do Beatles para o musical do Cirque du Soleil, Love! Finalmente, em vez de escolher apenas um produtor para o álbum, McCartney contratou os quatro, dividindo a lista de músicas.
Teve outro colaborador na sala, McCartney diz, que está lá há décadas. “Se eu chego num ponto em que eu digo ‘Eu não estou certo sobre isso’, eu ‘pergunto’ ao John do outro lado da sala.” McCartney diz. “E ele diz ‘Você pode fazer isso, cara.’ E eu respondo ‘Você está certo. Que tal assim?’ ‘Sim, assim é melhor.’ Nós temos uma conversa. Eu uso isso; é uma coisa muito valiosa. Não quero perder isso nunca.”
Um dia depois da apresentação no programa Jimmy Kimmel Live, McCartney deixa a sessão de fotos para a Rolling Stone em direção ao Beverly Hills Hotel para um chá. Ele se deu bem com a fotografa, a tal ponto que ele não conseguia deixar de pensar em como se dar melhor com ela. “Foi divertido.”, ele diz. “Ela foi ótima, foi legal. Fiquei pensando: ‘Se estivéssemos nos anos 60, eu iria tentar algo com ela.’ E provavelmente isso iria aparecer nas fotos. Mas eu sou um avô agora e não faço mais essas coisas.” Ele sorri maliciosamente. “Apesar de tudo, eu posso pensar. Eu sabia que ela queria isso. Ela disse que queria que eu fosse engraçado, mas foda. E eu respondi ‘Bem, este sou eu, baby.’”
Há anos McCartney odeia o clichê adquirido nos Beatles de que John é o gênio ao extremo e Paul é apenas mediano com carinha de bom moço. Essa visão certamente esconde um fato importante sobre ele: o homem escreveu toneladas de músicas sobre sexo e luxúria. “Eu sou um pouco obcecado por esses assuntos”, ele diz. Ele se lembra de arrecadar dinheiro com os seus amigos de Liverpool para comprar revistas de nudismo. “Procurávamos por qualquer informação que poderíamos encontrar.”, ele diz. “Tinha uma chamada ‘Health & Efficiency’ – que título fascinante! – que era especializada em nudismo, naturismo, mas para a gente era mulher nua. Uma vez eu trabalhei como babá para ganhar uns trocados, e eu via o livro dos pais – era um manual sexual, que a gente não tinha em casa. Eles tinham um pensamento mais liberal, tanto que eu era o babá. Eu folheava o livro e via coisas como ‘mães de Vênus’, e isso acendia minha imaginação adolescente. Todas essas coisas mexeram comigo.”
É um tema que só cresceu mais pronunciadamente em suas composições ao longo do tempo, estendendo-se desde “Why Don’t We Do it in the Road” – sobre transar loucamente em público – a 1971 com “Eat at Home”, a 2007 com “Nod Your Head” – facilmente interpretado como uma homenagem febril ao sexo oral – a inúmeros momentos de New. “’Nod Your Head’ não foi concebida com esse significado, mas obviamente essas coisas geram um duplo sentido – é uma suposição razoável.” McCartney diz timidamente. “Se você está me acusando de perversão sexual, isso com certeza pode ser apresentado como uma evidência, mas eu negaria veemente.”
Nós chegamos ao hotel, onde McCartney se hospeda desde que começou a vir para Los Angeles. Assim que ele entra no longe, metade do pessoal do restaurante se reúne na frente: “Bem-vindo de volta, Senhor McCartney” Um guitarrista está debruçado em um canto – o acompanhamento musical da noite, prestes a iniciar takes facilmente audíveis de Otis Redding e U2 – brincando com os cabos de som. “Eu fiz isso uma ou duas vezes!”. Sentando numa mesa no canto, ele pede um chá verde e uma água. Ele diz que não fuma mais maconha, e enquanto ele aprecia sua bebida, ele agenda uma massagem para mais tarde e quer ir sobreo. “Eu gostaria de tomar algum drink, mas não daria certo”, ele diz. “Eu iria me arrepender.”
A massagem mais tarde não é o bastante. McCartney diz que ele tem muita dificuldade em relaxar. Ele sente como se não pudesse descansar; e inércia na verdade o agita um pouco. Quando os Beatles estavam se separando em 1969, ele sofreu com depressão – ficando na cama, recusando a se barbear, bebendo demais, tendo um pouco de consolo no seu casamento com Linda Eastman. “Em um determinado ponto eu me perguntei ‘Você vai ficar aí sentando fazendo nada, ou você vai fazer alguma música novamente?’ Então eu ficava em casa, tocando alguma coisa na guitarra, e Linda dizia ‘Oh, eu não sabia que você podia fazer isso!’ Então eu voltei a tocar para impressionar Linda, sério. Eu queria provar que era útil novamente.”
Provar que é útil é um dos motivos pelo qual McCartney ainda faz shows mais longos que o filme “O Hobbit”; um dos motivos pelo qual ele ainda lança álbuns com 71 anos; e porque ele continua crítico consigo mesmo. Se ele conjura a voz do Lennon ou alguma outra voz interior “Eu sempre tenho o crítico em minha mente” McCartney diz. “É uma constante, exatamente no mesmo volume. E me deixa com os pés no chão – ‘Não seja tão blasé a respeito disso’ Eu não quero ser muito presunçoso, e pensar que eu sou bom. Convenhamos: eu sou cool. Todo mundo me diz que sou. Eu tenho um histórico. Você acha que eu iria parar de me perguntar se alguma coisa que eu faço é boa? Eu tenho uma montanha de prêmios, de sucessos... Mas por algum motivo eu não tenho uma sala de prêmios. As pessoas perguntam ‘Onde estão todos os seus discos de ouro?’ Eu não faço isso. Eu simplesmente não quero ficar presunçoso – mas é claro que, por outro lado, eu quero pensar que sou ótimo. Por que eu não iria aproveitar isso? O que eu deveria fazer? Esperar até eu morrer e dizer ‘Merda, eu deveria ter aproveitado uma semana!’”
Trabalhar dá a ele o prazer, mas também lhe traz recordações. Suas lembranças são formidáveis. Ele se lembra, por exemplo, quando limpava os maços de cigarros descartados em Liverpool, um hobby que inspirou uma das letras do New. “Eu morava no final de uma linha de ônibus, e nossa versão de coleção de cartões de baseball era maços de cigarro.”, diz ele. “Você rasgava a caixa e pegava a frente para trocar com seus amigos. O ônibus vinha do distrito financeiro de Liverpool, à direita até o final, onde vivíamos, das áreas chiques para as áreas pobres. Assim você conseguia os cigarros das pessoas pobres, os cigarros das pessoas de classe média e os cigarros das pessoas ricas. Estes eram os de maior valor: Passing Clouds, Russian Sobranie. Aí você chega até o Craven ‘A’, Senior Service, Player’s Navy Cut, e vai direto para o Woodbines, que eram cigarros dos trabalhadores. Nós conhecíamos todos.”
Ele relembra as longas caminhadas pelo país quando criança, descendo a Dungeon Lane, no sudoeste de Liverpool, consultando um exemplar do “The Observer’s Book of Birds”. “É um aeroporto agora, mas a paisagem continua intocável.” ele diz. “O que eu via antes que não vejo agora é uma cotovia que subia. Você já viu isso? É lindo. O que eles fazem é subir cantando” – ele assobia – “E eles vão bem alto, deve ser uns 30, 60 metros, numa linha reta, e eles cantam o tempo todo. Ai ele faz um chiado e voa para outro lugar. A razão pela qual ele faz isso é porque está se afastando do seu ninho. Eu era fascinado por coisas assim. Quando eu escrevi ‘Blackbird’, provavelmente eu estava imaginando o pássaro fazendo aquilo. É tudo uma criação do cérebro. Estava alojado lá. Eu cresci sendo informado com esse tipo de coisa, basta olhar o quão maravilhoso é – natureza, música, sociedade, pessoas. Eu sempre fiquei maravilhado com isso, ainda fico.”
McCartney aplica essa admiração igualmente às músicas velhas e novas, ele diz. Ele tocou “Blackbird” e “Yesterday” um bilhão de vezes até agora, mas novos mistérios e significados surgem a cada performance. “Logicamente, eu deveria ficar cansado delas, e eu espero o tempo todo ficar desse jeito”, ele diz.
TRADUÇÃO: Daniel Generalli e Patricia Galvão
Fonte: Paul Get Back to SP