A obsessão de Harrison por privacidade pareceu durante muito tempo ser um tipo de fetiche, mas os acontecimentos de dezembro de 1999 demonstraram que as paranóias, às vezes, são justificadas. No dia 23, uma jovem mulher chamada Cristin Keleher invadiu a casa de Maui, residência que por quase duas décadas Harrison vinha tentando proteger dos olhares alheios. Os Harrisons não estavam presentes, e assim, após ter disparado o sistema de alarme, Keleher devorou uma pizza congelada e esperou pela inevitável chegada da polícia. No dia 30, ela foi levada a julgamento e condenada a quatro meses de prisão; verificou-se que vinha atocaiando e perseguindo os Harrisons havia vários anos.
No momento em que ela respondia à acusação de invasão de propriedade, Harrison estava num leito de hospital, em Henley, sendo submetido a uma cirurgia de emergência. No dia 30 de novembro de 1999, por volta das 3h30 daquela madrugada, em sua mansão de Friar Park, ele fora acordado pelo som de vidros se quebrando. 'Havia câmeras de segurança nos portões principais e na entrada dos fundos,' explicou o jardineiro, Colin Harris, 'mas em algumas partes do terreno a cerca cedia. Qualquer um poderia invadir, e as portas da mansão ficavam uitas vezes escancaradas durante o dia. A segurança devia ser muito mais rigorosa. Eu sabia que mais dia menos dia alguém ia entrar lá.' Harrison aventurou-se pelas escadas para investigar, vestindo apenas calças de pijama, enquanto sua esposa telefonava por socorro. Ele então deparou-se com Michael (Mick) Abram ('Mad Mick' [segundo os tabloides britânicos), um rapaz mentalmente perturbado, que o atacou com uma faca de cozinha. Na tentativa de acalmar a si mesmo e a Abram, Harrison começou a cantar o mantra Hare Krishna - que o invasor interpretou como a língua do diabo, o que o incitou a mais violência. Enquanto a lâmina era cravada várias vezes no peito ossudo de Harrison, ele admitiu: 'Eu pensei que ia morrer. Lembro nitidamente um golpe deliberado da faca e que senti o sangue me subir à boca e ouvi minha respiração exalando pela ferida aberta.' Sua vida foi salva pela intervenção corajosa da esposa, que golpeou com um abajur pesado a cabeça de Abram, nocauteando-o. 'Eu estava apavorada,' recordou ela, 'mas é uma daquelas coisas que você faz num estado ampliado de consciência corporal, de modo que você nunca mais consegue esquecer como foi. Foi como um surto consciente.' A gravidade do incidente foi deliberadamente atenuada pela família dos Harrisons. Ele foi citado como tendo dito sobre Abram: 'Não era um ladrão, e certamente não foi lá pra fazer um teste com os Traveling Wilburys.' Mas assim como as famosas brincadeiras de Ronald Reagan sobre o atentado de assassinato sofrido em 1981, a declaração pretendia sugerir que o ataque não causara ferimentos mais graves em Harrison. A realidade era muito menos agradável. Os cirurgiões foram forçados a remover parte do pulmão de Harrison, e os ferimentos provocaram cicatrizes e perdas na capacidade respiratória. Mais prejudicial ainda foi o impacto psicológico. Quando voltou para casa, sentou -se na cozinha com Eric Clapton, relembrando com precisão e repetindo os detalhes do ataque. 'George ainda estava muito perturbado,' recordou Clapton, 'e não parecia saber muito bem o que fazer mais da vida. Eu só pude usar como referência as minhas próprias experiências com o vício, e incentivei George a buscar algum tipo de sistema de apoio.' 'Ele mudou depois daquilo' recordou um dos assessores mais próximos. 'Todos sentimos isso. E tivemos a certeza de que foi por isso que o câncer voltou. Ele andava com uma aparência muito boa, mas depois do ataque não tinha mais forças pra resistir.' Ao longo de 2000, Harrison convalesceu, trabalhou esporadicamente em material para um novo álbum e supervisionou o relançamento do álbum All Things Must Pass. Menos de dois anos completos após o atentado, George estaria morto.
Vivo e lúcido, o agressor Michael Abram, de 33 anos, foi preso imediatamente após o incidente. Abram estava sob tratamento psiquiátrico por anos e tinha procurado ajuda antes do ataque, acreditando que ele estava em uma "missão de Deus", e foi possuído por Harrison. Depois que três psiquiatras o diagnosticarem como um demente paranóico e esquizofrênico, um juiz considerou Abram inocente por razões de insanidade mas ordenou que fosse detido em um hospital seguro, "sem restrição de tempo".
fonte: O Baú do Edu